Com o preço dos combustíveis ajustado por três vezes desde o início do ano e provocando, com isso, a inflação de bens e serviços, a Associação Moçambicana de Empresas Petrolíferas (AMEPETROL) avisa, entretanto, que a situação pode ainda piorar. Numa entrevista exclusiva ao DE, o secretário-geral, Ricardo Cumbe, apresenta as projecções do sector para os próximos tempos.
Como é que está o negócio dos combustíveis em Moçambique face à actual conjuntura mundial?
O que está a acontecer agora não é nenhuma surpresa, já o havíamos previsto. E, agora, estamos a gerir esta situação, mas de uma forma complexa, porque no meio de todo este processo existem muitos factores que, em grande medida, dependem do mundo exterior. Um deles é o do custo, que não temos como controlar. Temos uma pequena fasquia que representa quase 49%. Aquilo que é o custo, ou seja, o preço que nós pagamos para a aquisição de combustível, nas últimas análises que fizemos, representa cerca de 51% do preço que está na estrutura actual. Isto é o mesmo que dizer que a outra parte corresponde a 49% e, destes, existe a composição que remunera as empresas que estão a operar, aquilo que chamamos de ‘margem do distribuidor’, ‘margem do retalhista’.
Naturalmente que são outras parcelas muito sensíveis, que representam aquilo que é o lucro que cada um dos operadores espera arrecadar no processo de importação de combustíveis para o País, e sobra uma certa percentagem que está associada às taxas e aos impostos relativos ao decreto 89/19.
Estamos a falar, neste caso, dos direitos, do IVA, do imposto especial, da margem nas instalações oceânicas, do fundo de infra-estruturas. Todas estas componentes fazem parte da estrutura que está vigente actualmente.
O que ocorre é que nós, como operadores, temos vindo a pedir que o regulador, neste caso a Autoridade Reguladora de Energia (ARENE), que actua sob a alçada da Direcção Nacional de Hidrocarbonetos e Combustíveis (DNHC), afecta ao Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), cumpra, todos os meses, com o dispositivo legal, ou seja, atingidas as premissas que permitem a subida ou descida do preço do combustível, [infelizmente nos últimos meses tem estado só a subir], se publique essa estrutura para que se torne efectiva. Caso tal não aconteça, as empresas incorrem em prejuízos.
Neste momento, estamos a operar num mercado bastante desafiador. O Governo tem, naturalmente sem sucesso a 100%, procurado medidas de mitigação de modo a ter a estrutura num nível que não seja muito sufocante, mas estas medidas não têm estado à altura de poderem criar uma almofada suficiente para o que nós gostaríamos. É que, além de sermos operadores, também fazemos parte do público dos consumidores. Aquilo que está a acontecer no mercado internacional também nos impacta.
Face a este cenário acima descrito, como está a questão dos subsídios atribuídos pelo Governo às gasolineiras?
O Governo tem vindo a subsidiar as gasolineiras desde o final do ano passado [2021], e tem-no feito na medida em que há espaço para o ajustamento dos preços. Ou seja, teoricamente, este ajustamento é feito, mas a estrutura não é publicada. Por outras palavras, o preço real não é praticado na bomba onde o retalhista coloca a sua viatura e é abastecida, mas sim numa comparação entre a estrutura efectiva (aquela que está em vigor) com aquela que devia estar a vigorar. Logo, há uma variação do preço que está publicado e o preço que devia ter sido publicado.
Então, a compensação consiste naquele valor que a gasolineira não consegue arrecadar através da estrutura que não foi ajustada. Em função desse processo de subsídio, o Governo fica em dívida, o que faz com que vá decorrendo [o processo] em função da distância entre a estrutura que está em vigor e a estrutura que devia vigorar. É assim que funciona o mecanismo de compensação.
A medida de compensação [subsídios] adoptada tem surtido o efeito esperado?
A medida compensa e não compensa, porque, na altura em que o cálculo é efeito, se a variação, por exemplo, for de dois meticais, o Governo compromete-se a dever. Mas o que está a acontecer é que essa dívida, até hoje, não foi liquidada, e esse valor é o tal sobre o qual o Governo não remunera juros.
Entretanto, porque as gasolineiras perderam esse valor do seu circuito de importação, têm de recorrer à banca numa magnitude muito maior e pagar juros. É aí que a perda é ainda maior, se calhar múltipla – existem muitos outros elementos que podemos mencionar e que contribuem para essa perda. Por exemplo: passam a importar menos, passam a pagar juros sobre aquele valor que o Governo está a dever e, no momento da maturidade [desenvolvimento], não vão pagar juros. Depois, temos de pagar uma taxa muito mais alta ainda em função daquilo que são os ajustamentos que o Banco Central anunciou há dois três meses, em que passámos a sofrer junto dos bancos comerciais na emissão das novas garantias.
“Os preços vão continuar aumentar, porque a parcela que neste momento está em grande ascendência é o preço da compra nos mercados internacionais. O preço das facturas ainda não começou a baixar e, enquanto isso não acontecer, não podemos começar a pensar que, a breve trecho, o combustível possa estar numa situação estacionária ou baixar“
Em termos práticos, os preços dos combustíveis vão aumentar de forma excessiva no País ainda este ano?
Sim, os preços vão aumentar, porque a parcela que neste momento está em grande ascendência é o preço da compra nos mercados internacionais. O preço das facturas ainda não começou a baixar e, enquanto isso não acontecer, não podemos começar a pensar que, a breve trecho, o combustível possa estar numa situação estacionária ou baixar, isso não.
Vai baixar a partir do momento em que conseguirmos encontrar o pico, onde há uma inversão da tendência dos custos no mercado internacional. Por exemplo, o regulador decidiu, de forma diária, em coordenação com alguns canais televisivos, publicar aquilo que é a evolução do preço do grude (matéria-prima que determina os níveis dos custos no mercado internacional). Isto é feito com o objectivo de trazer visibilidade junto a todos os consumidores sobre o que está a acontecer no mercado internacional, para que todas as pessoas se possam situar e posicionar naquilo que são as causas, na base das quais aquilo que está a acontecer no País está a acontecer como consequência. A ideia é mesmo trazer uma educação cívica para a sociedade e perceber, de forma muito clara, quais os elementos que determinam os preços sobre os quais estamos aqui a sentir os efeitos negativos.
Se os preços continuarem a aumentar, como vai ser gerido o negócio?
O compromisso das gasolineiras é servir o País e o desafio que nós estamos a enfrentar, ao nível dos combustíveis, é, acredito, um desafio que todos os sectores estão a enfrentar, porque estamos a falar aqui de um aumento acentuado do custo de vida, em que todos que estão a operar no País neste momento pós covid-19 estão sempre a desafiar as empresas a reinventarem-se. Durante o tempo da pandemia, as economias estiveram a operar num nível bastante baixo e nós estamos a sofrer aquilo que são os efeitos das alavancas das economias, onde, muito em particular, o diesel teve grandes efeitos.
A indústria pesada, que é puramente dependente do diesel, esteve adormecida, e agora este está a tornar-se mais caro que a gasolina, por causa do factor de oferta e procura. Este combustível teve um impacto mais acentuado durante o tempo do covid-19 e as economias estão ‘agressivas’, a tentarem crescer para recuperarem todo o tempo em que não puderam operar, tendo acumulado grandes prejuízos. Esta é a razão pela qual está a acontecer esta subida tão acentuada em relação ao diesel, associada ao factor guerra que também tem o seu impacto. Neste momento, a oferta do diesel está a reduzida, mas a procura é maior, ou seja, o diesel está a sofrer os efeitos da própria economia.
É possível travar, ou pelo menos tornar menos impactante, a subida frequente do preço dos combustíveis no mercado nacional?
Infelizmente o combustível não é produzido aqui no País, esta é uma conjuntura meramente internacional. Neste momento, o processo de importação obedece a um critério onde o nosso agente de procurement, que é a Importadora Moçambicana de Petróleos (IMOPETRO), lança os concursos, e esses concursos obedecem àquilo que são as leis do mercado, porque o mercado de combustíveis é um mercado aberto [está disponível nas bolsas]. Logo, aqueles que aparecem não fazem concursos para dizer ‘vamos oferecer o produto a mil dólares’ Fazem para dizer que no dia que ‘Moçambique’ fizer a sua encomenda, e o fornecedor ‘A’ tiver de trazer o combustível para Moçambique, eu vou ter de adicionar um prémio [desconto] sobre aquele custo que o mercado vai dar, para trazer o combustível para o País.
Perante isso, e como saída, o Governo pode negociar o preço, mas não tem como evitar a intervenção de terceiros, pois não vai ter meios de transportar o combustível para cá. Logo, terá de haver um contrato com empresas que sejam donas de navios, e estes vão cobrar o frete e o seguro para o combustível chegar ao País.
O aumento é um elemento inevitável, por isso, se as gasolineiras continuam a operar no País é porque têm um compromisso.
“É uma possibilidade (a ruptura de stocks) que é preciso tomarmos em conta. Se não colocarmos as encomendas, vamos entrar numa situação de não termos combustível. Aliás, temos exemplos, que vimos num passado recente, do que aconteceu na Sri Lanka, de filas enormes para abastecer combustíveis“
Moçambique pode chegar aos níveis de ruptura de stock de combustível? Existe essa probabilidade?
É uma possibilidade que é preciso tomarmos em conta. Se não colocarmos as encomendas, vamos entrar numa situação de não termos combustível. Aliás, temos exemplos, que vimos num passado recente, do que aconteceu na Sri Lanka, de filas enormes para abastecer combustíveis. Mesmo aqui em África, já se acompanhou situações de filas enormes dos cidadãos à procura do combustível, em que levavam dias até que chegasse a sua vez de abastecer.
Então, a situação do não ajustamento dos preços e do não pagamento das compensações pode remeter-nos para uma situação desta natureza, em que o país já não tenha combustível. Isto não é vontade nem do Governo nem das gasolineiras.
Estamos numa situação de emergência, numa situação de crise que não se diferencia da situação do covid-19. A forma como se geriu o processo da pandemia não deve ser muito diferente daquela em que se deve aplicar nesta situação dos combustíveis. Estamos a falar de um elemento bastante importante e essencial para catalisar a economia, como tal, o cidadão deve entender bem o que está a passar-se. É preciso acabar com os sinais de revolta que estão a acontecer e perceber que esta é uma conjuntura mundial, uma situação atípica que deve ter um tratamento de emergência.
Em termos de perspectivas, o que o que há de concreto para os próximos tempos?
É difícil avançar com perspectivas, porque estamos numa situação desafiadora. Devemos preparar-nos para situações talvez ainda mais complicadas do que estas e a forma de o fazer haver mais flexibilidade, na questão do IVA, por exemplo. O Governo poderia verificar este imposto que, de certa forma, determina os preços e rever [a sua aplicação]. Temos essa expectativa.
Texto: Cleusia Chirindza • Foto: Mariano Silva