Vários economistas nacionais contactados pelo DE consideram “não haver condições” financeiras para a adopção da tabela salarial única (TSU) para agentes e funcionários públicos, anunciada na passada semana pelo Governo e que propõe aumentos de salários, os mais baixos da função pública, em perto de 100%. Economistas relembram a “instabilidade” que a economia nacional tem atravessado nos últimos anos e questionam sustentabilidade a médio prazo, temendo que as contas públicas sofram com os aumentos anunciados.
Ao DE, João Feijó, pesquisador do Observatório do Meio-Rural (OMR), revela a sua “estranheza face ao que está a acontecer no sector público”, argumentando que os aumentos anunciados obedecem àquilo que chama de “agenda política, visto que se avizinham as eleições”, realça.
E prossegue: “acho estranho por dois motivos: primeiro, estamos perante uma intervenção do FMI, que segue sempre, geralmente, a mesma receita, que é o corte nos gastos públicos. Então, no contexto de uma intervenção do FMI, o Governo duplica o salário mínimo? Acho isto estranho, ainda não percebi. Em segundo lugar, vamos ter de esperar ainda um mês para ver, na prática, como vai ser. E se isto for verdade e duplicar significa que vão ter de reduzir noutras rubricas, ou aumentar os impostos, ou reduzir noutras despesas do Estado”, explicou Feijó.
Partilhando da mesma posição, a economista e pesquisadora do Centro de Integridade Pública (CIP), Estrela Charles, afirma não ter dúvida que a medida obedeça mesmo a uma ‘agenda política’. E acrescenta: “a TSU já foi desenhada há alguns anos, e quando o Governo a tenta implementar agora configura duas coisas: a primeira é tentar amenizar os gritos da população relacionados com o custo de vida. Já a segunda diz respeito ao momento em que o Governo aprova esta Tabela, uma vez que sendo o ultimo mandato da governação actual, é um momento oportuno para o Governo”, assinala a pesquisadora.
“Acho que é importante olhar à sustentabilidade. Será que o Governo vai conseguir manter os salários? Porque, antes mesmo da implementação da TSU, o custo anual com salários do sector público já aumentava 10 mil milhões de meticais por ano. Como a situação está neste momento, podemos dizer que não existem condições financeiras, uma vez que a economia não está a caminhar de acordo com os níveis esperados. Veremos onde Governo irá encontrar as condições financeiras e em que áreas irá cortar”, reitera a economista.
João Feijó também pega neste último ponto, considerando ser “difícil compreender o que está efectivamente a acontecer”, e questiona a sustentabilidade da medida anunciada. “A única hipótese de isto ser viável é cortar na despesa pública, em infra-estruturas, na manutenção de estradas, nos equipamentos, nos consumíveis e no funcionamento das instituições ou, então, aumentar os impostos. Mas isto será complicado porque o IVA já está muito elevado”.
Por seu turno, o economista Elcídio Bachita afirmou ver com bons olhos a implementação da TSU, pois vai acabar com as disparidades salariais no sector público entre os diferentes funcionários. “Esta aprovação acontece numa altura em que a economia está a registar alguma revenge [retracção], mas vejo com bons olhos. Eu penso que há condições para se fazer a implementação desta tabela”, frisou.
Acerca do assunto, uma fonte da Confederação das Associações Económicas (CTA) preferiu não comentar, alegando tratar-se de uma medida que, por agora, apenas envolve a função pública.
Recorde-se que os quantitativos da Tabela Salarial Única (TSU) foram anunciados na quarta-feira, 13 de Julho, sendo que era previsto que a medida entrasse em vigor na última sexta-feira, 15 de Julho, tendo sido adiada para esta quinta-feira, 22 de Julho, numa aplicação que vai custar, ao Estado, 13,5 mil milhões de meticais. Os novos salários vão rondar entre os 8758,00 meticais e os 165 758,00 meticais, ou seja, o ordenado mínimo na tabela do Estado sobe 80% em relação aos actuais 4688,00 meticais.