Perante o sufoco da alta de custos de produção repassada pelos combustíveis, o empresariado procura funcionar como “escudo” para proteger a sociedade, tentando evitar subir o preço dos produtos e serviços que coloca no mercado, segundo Simone Santi, presidente do pelouro dos Recursos Naturais e Energia da CTA.
Os empresários estão cientes de dias difíceis face à conjuntura interna e internacional. Mas, com poucas margens de acção sobre um fenómeno que é determinado por factores externos, a solução passa por resgatar todas as premissas de estabilização macroeconómica não directamente ligadas ao problema que se nos apresenta já aos olhos, e que incluem os mecanismos de atracção de investimentos.
Preocupante é o facto de estas medidas não serem capazes de gerar impacto imediato. Ainda assim, Simone Santi, presidente do Pelouro dos Recursos Naturais e Energia ao Nível da Confederação das Associações Económicas de Moçambique, não mostra grandes preocupações quanto a este cenário.
Qual é o peso dos combustíveis na estrutura dos custos das empresas?
Em primeiro lugar, acredito que o preço dos combustíveis afecta mais a população do que as empresas. Em zonas onde há falta de energia, onde são necessários geradores, pode afectar também as empresas. Mas este fenómeno é mundial e na Europa é pior do que em Moçambique, porque aqui o Governo tem tentado manter um preço acessível. Mas não vai ser fácil.
Temos a guerra russo-ucraniana, mas também temos muita especulação. Como sempre, em momentos de crise há algumas empresas que conseguem mais vantagenm. Com certeza, esta crise vai se fazer sentir no sector empresarial, porque é mais um custo onde se perde competitividade, sobretudo em relação às empresas estrangeiras e dos países vizinhos.
Faz menção à perda de competitividade em relação a empresas estrangeiras por projectar que Moçambique possa ser mais afectado do que esses países? Como se explica que este fenómeno, que é global, prejudique mais as empresas nacionais?
Pode afectar mais o nosso país, porque existem cá alguns custos mais altos do que nos países vizinhos. E quando se juntam todos esses custos resulta em encargos relativamente maiores. O sector privado está a discutir muito com o Governo, por exemplo, a respeito dos custos da burocracia e parece que a tendência de redução desses custos está a acontecer. Acredito, também, que a disponibilidade, no médio prazo, de recursos naturais vai ajudar a baixar o custo da energia e vai favorecer a redução dos custos da actividade empresarial. Mas essa é uma medida de médio prazo.
Neste momento, qualquer medida é para evitar que a inflação suba acentuadamente, como acontece noutras partes do mundo, por exemplo, na Europa, em que a inflação já é de 10%. Aqui, provavelmente, a inflação real vai ser maior. Nesse sentido, eu acho que tem de haver um esforço do Governo e do Banco Central para evitar um impacto negativo deste fenómeno.
Há também muitas empresas que estão a esforçar-se para não aumentarem os preços de venda mesmo tomando em conta que estão a aumentar os custos empurrados pela elevada factura dos combustíveis. Não aumentam o preço de venda porque, muitas vezes, o mercado não pode responder positivamente. Isto é, o mercado tem cada vez menor poder de compra.
Mas qual é o sector empresarial, ou as empresas, que já manifestam dificuldades decorrentes desta situação?
São as empresas do ramo da Indústria, as que usam combustível como backup, empresas do ramo dos Transportes e Logística. Se o transporte está mais caro, todas as empresas cuja matéria bruta vem daquele vão ser afectadas, sobretudo as que estão longe dos Portos. A logística afecta todos os sectores.
Neste momento, qualquer medida é para evitar que a inflação suba acentuadamente como acontece noutras partes do mundo, por exemplo, na Europa, em que a inflação já é de 10%. Aqui, provavelmente, a inflação real vai ser maior.
É preciso lembrar que a subida do prelo dos combustíveis, em si, é muito prejudicial à actividade das empresas, mas traz consigo outro mal: a inflação. Esta reduz o poder de compra das pessoas. A inflação pode determinar uma estagnação e isso, claramente, afecta o sector empresarial e também justifica o esforço de se manterem os preços de produtos essenciais, como o pão. Isto sem falar no esforço da política monetária do Banco Central para evitar que o metical perca valor cambial em relação ao dólar, o que agudizaria o custo das importações.
Até que ponto esse esforço das empresas em manter preços de venda de bens e serviços pode ser eficaz numa altura em que enfrentam uma pressão crescente nos custos?
Este é um momento muito atípico porque a maioria dos fenómenos vêm de uma conjuntura internacional. Os empresários devem saber que essa conjuntura é temporária e têm de melhorar a organização interna, evitar os custos de outra parte para evitar perder o mercado. Claramente, têm de diminuir a margem do produto, mas, de alguma forma, recuperar os custos, verificar no mercado onde compram qual é o que tem melhores condições.
Os empresários são figuras resilientes, estão a gerir uma conjuntura internacional difícil num país que importa muitos produtos. O mercado internacional afecta o interno, por isso, Moçambique tem de investir em produção interna. Se houver possibilidade de de comprar bens e serviços ao nível interno, que comprem. Ainda que a um preço um pouco mais caro.
Então, é esse o esforço conjunto da CTA e do Executivo. É no sentido de valorizar a produção interna…
Sim, valorizar a produção interna, agilizar o Investimento Directo Estrangeiro, baixar a burocracia nos vários concursos públicos, sobretudo no sector da energia e do oil & gas, valorizar os produtos feitos em Moçambique, aumentar instrumentos de controlo para favorecer quem está a produzir localmente. Essas são as políticas que estamos a discutir, sobretudo no sector da energia.
As empresas que poderão sair mais prejudicadas pela subida da tarifa dos combustíveis são as do ramo da Indústria, as que usam combustível como backup e empresas do ramo dos Transportes e Logística…
Já a Lei de Electricidade é um passo importante que favorece o desenvolvimento do sector privado independente. Discutimos forma de dar oportunidades às PME para desenvolverem os seus projectos e depois poderem vender ou procurar parceiros. Pedimos ao Governo para agilizar a figura dos Business Developers, que depois procuram financiamento ou parceiros para aumentar a escala de investimento.
Por se tratar de uma abertura para o produtor exportar energia, isso traria ganhos porque os países vizinhos são mercados naturais de Moçambique. Também favoreceria o sector privado no fornecimento de energia e a receita ficaria no País.
Parece que as medidas de concertação entre o sector privado e o Governo não podem trazer impactos imediatos. Refiro-me, por exemplo, à estratégia para devolver o Investimento Directo Estrangeiro à rota de crescimento. O combustível, pelo contrário, está a sufocar no imediato…
Temos de considerar que Moçambique é um dos países africanos que chegou a atrair mais investimento estrangeiro, a maioria vinda dos países europeus. Mas entendo que há uma necessidade de medidas de curto prazo para resolver esta pressão. Entretanto, isso deve significar a realização
de reformas de médio e longo prazo, como, por exemplo, a reforma do ambiente económico e a estabilização do metical a curto prazo, porque a imagem de um país que tem a sua moeda estável tem, também, a curto prazo, vantagens aos olhos dos investidores estrangeiros e locais, uma vez que confere mais confiança e mais valor.
Pelo que percebo, a subida dos custos de produção das empresas inspirou o empresariado a rebuscar saídas não só ligadas ao mercado dos combustíveis. A sua colocação vai muito ao encontro de medidas de estabilização macroeconómica. É isso?
É isso. Porque temos de considerar que, neste momento, estamos a falar de uma crise de conjuntura internacional. Então, o empresariado tem de se adaptar e continuar o seu diálogo com o Governo para melhorar as condições para que o investimento seja mais célere.
O assunto dos combustíveis é complicado porque os preços vêm de fora, o Governo está a fazer de tudo [para minimizar os efeitos], mas com uma capacidade financeira limitada. Isso vai exigir esforços que vão além do olhar fixo na questão dos combustíveis.
E se a situação prevalecer pelos próximos seis meses, tal como alertam as gasolineiras? Que futuro e que soluções para a actividade empresarial?
A primeira coisa a considerar é que, no sector privado, entram também as empresas de produção, distribuição, transporte e transformação de combustível. Então, neste momento, a maior dificuldade é que as empresas sejam incentivadas para continuar a alimentar o mercado.
Considerar o preço como o único problema é não considerar uma eventual falta de disponibilidade do mercado. Significa ter uma visão só de agora. Nós temos de considerar a sustentabilidade do sector, que se chama downstream, no médio e no longo prazo. Se um dia não tivermos gasolina, enfrentaremos problemas ainda maiores. Essa é uma situação que devemos evitar. Por isso tem de haver um diálogo permanente entre o Ministério dos Recursos Minerais e Energia e o sector privado.
E esse diálogo está a acontecer?
Está a acontecer todos os dias. Todos estão a mostrar um grande interesse e posso também dizer que o sector empresarial está a mostrar uma grande flexibilidade para aguentar este momento. A energia é um bem essencial, por isso, existe um programa de subsídios para evitar que o custo seja inacessível à população, através da empresa pública Electricidade de Moçambique (EDM), que, entendendo que a sua função não é apenas de lucro, mas também a de protecção, aplica tarifas diferenciadas para as diferentes dimensões de consumidores, protegendo aqueles com menor poder de compra.