Se daqui em diante a palavra de ordem for deixar o mercado ditar as regras do jogo e ajustar os preços conforme a sua variação no mercado internacional, soluções têm de ser encontradas para aliviar os efeitos da escalada de preços. Algumas já foram ensaiadas e até servem lá fora. Mas, cá, em que pé estão?
Já a pensar em reduzir os impactos da subida do preço de combustíveis, o País já havia assumido compromissos que, a esta altura, provavelmente, estariam a dar frutos. Visitá-los, agora, pode ajudar a reavivar a memória e a inspirar o seu resgate, conforme sugere o economista Samo Dique, da Confederação das Associações Económicas (CTA), que à E&M sugeriu a retoma do projecto dos biocombustíveis (do qual falaremos mais adiante).
Uma das mais importantes alternativas que o País avançou foi a introdução do gás veicular em substituição aos combustíveis líquidos, há 14 anos. Pelo mundo, a experiência mostra que esta solução baixa consideravelmente os custos de transporte em comparação com os combustíveis líquidos; as PME passam a ter acesso a uma ferramenta competitiva, isto é, se estas utilizassem o gás, teriamos menos custos do que o que incorrem ao utilizarem os combustíveis líquidos; O Estado reduz a factura de importação dos combustíveis líquidos, portanto, poupa divisas; e por ser amigo do ambiente, o gás veicular reduz a poluição melhorando a qualidade de vida das pessoas.
A E&M ouviu João das Neves, director-executivo da Autogás, empresa responsável pelo projecto de conversão de viaturas a diesel e a gasolina para passarem a usar o gás, instituído em 2008. Com a calculadora na mão, o responsável quis mostrar o quanto este projecto ajudaria a evitar que o aumento do preço dos combustíveis fosse totalmente repassado ao custo dos transportes. O responsável fez uma simulação que levou à conclusão de que uma viatura particular que ande 100 km por dia, é capaz de poupar até 11 mil meticais por mês, se considerar os preços sugeridos pelas gasolineiras. Referiu que este efeito seria muito maior ainda no transporte público, que é sujeito a uma grande pressão. É que, por ser produzido nos campos de Pande e Temane, em Inhambane, a utilização do gás em veículos automóveis seria a alternativa barata para este problema. Isto já tinha sido estudado. Já é sabido, mas…
O que está a acontecer?
De acordo com João das Neves, em 2008, o plano estratégico preconizava que, em 10 anos, portanto, até 2018, seriam transformadas até 40 mil viaturas para passarem a funcionar a gás. Nesse período, equacionavam-se 70 postos de abastecimento com cobertura nacional. Mas hoje, o número de utilizadores desta alternativa anda à volta de 3000 mil viaturas e apenas seis postos de abastecimento, sendo que está para breve a abertura do sétimo posto no distrito de Marracuene, todos estes com capacidade acumulada de cerca de 7000 viaturas. Ou seja, além de não se ter verificado a evolução que se esperava, ainda há muita capacidade instalada por explorar.
“Com muita dificuldade e com fundos próprios continuamos a expandir a rede de postos porque a procura continua a crescer”, revelou João das Neves.Apesar disso, defende que “o processo de implementação do gás natural veicular em qualquer país sempre foi lento. Assim, podemos concluir que o nosso plano estratégico era muito optimista, por isso estamos satisfeitos, embora gostaríamos que fosse mais rápido”.
E para assegurar celeridade, é preciso ir buscar a experiência de outros países, em que o Estado – ao ver o benefício que o projecto pode trazer para as comunidades e até para as empresas e para si próprio (poupando a factura de importação dos combustíveis fósseis) –, incentivou a iniciativa.
Como acelerar a implementação do gás veicular?
João Neves fala de três mecanismos. Primeiro, a isenção das taxas aduaneiras na importação de componentes para a conversão de viaturas, expansão da rede, peças sobressalentes e outros equipamentos; segundo, investimentos do Estado em condições favoráveis para a expansão dos postos de abastecimento a título de fundo perdido tal como fez com o projecto um distrito um banco, para que os bancos abrissem balcões onde não havia cobertura.
É que se os postos de abastecimento forem abertos a título comercial poderá haver pontos onde não há consumidores suficientes para justificarem investimentos, além de que o financiamento bancário não seria viável porque não garante retorno imediato e apresenta elevadas taxas de juro (lembrando que instalar um posto de abastecimento custa 1 milhão de dólares); terceiro, é a possibilidade de o Estado subsidiar as conversões. “Noutros países há experiências sobre isso”, afirmou João das Neves.
Em 2021, vários países como a Índia, Reino Unido, EUA e China, anunciavam a intenção de ampliar a mistura de etanol à gasolina para reduzir os custos de aquisição dos combustíveis líquidos e pelo equilíbrio ambiental
Na verdade, o projecto de utilização do gás em veículos sempre esteve aos “soluços”. Um dos principais factores levantados é o custo de conversão, que está entre 60 mil e 120 mil meticais. E para mudar este quadro, a Autogás tenta conseguir grandes quantidades de equipamentos de conversão que permitem descontos junto dos fabricantes. Isso permitiria melhorar o processo de conversão em massa e a redução dos custos de mão-de-obra na própria conversão.
Os biocombustíveis
O economista Samo Dique questiona: para quê inventar se temos a possibilidade de observar e aplicar o que os outros já fazem, e fazem com sucesso? Bem, esta é a parte final de uma questão que fez correr muita tinta nos jornais há 11 anos, tempo que apesar de relativamente longo, é tão curto para ter caído em total esquecimento.
Em Agosto de 2011, como que a prever choques petrolíferos com efeitos na escalada de preços dos combustíveis, como o que se experimenta nos dias que correm, o Governo anunciava a obrigatoriedade de, a partir de 2012, passar a ser obrigatória a mistura de biocombustíveis na gasolina e no gasóleo. Nessa altura, o então ministro da Energia, Salvador Namburete, assegurava que o País dispõe de reservas suficientes para garantir que o estipulado no decreto seja cumprido na íntegra. Tal Decreto impunha a adição de biocombustíveis aos combustíveis fósseis numa proporção de 10% de etanol para 90% de gasolina e de 3% de biodiesel para 97% de gasóleo.
Estudos da época apontavam para a possibilidade de poupar 22 milhões de dólares dos 500 milhões gastos na importação de combustíveis líquidos. Esse projecto seria alimentado pela produção de quatro açucareiras (Marromeu, Mafambisse, Marragra e Xinavane) que, no seu conjunto, tinham condições para colocar no mercado cerca de 32 milhões de litros gerados a partir do melaço.
“A produção e comercialização de biocombustíveis constitui prioridade do Governo pois vai ajudar a reduzir a factura de importação de combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, possibilitar o aproveitamento de culturas energéticas produzidas no país”, acreditava, na altura, o governante. Mas o que se assistiu no terreno é que, nem em 2012 nem nos anos subsequentes a ideia foi materializada, e a explicação para isso nunca chegou a ser pública.
A E&M veio a saber do então PCA do Fundo Nacional de Energia, António Saíde (agora vice-ministro dos Recursos Minerais e Energia), que uma série de eventos (na altura não identificou) acabaram por tornar aquela iniciativa inviável. Mas já em 2014, a experiência era aplicada, com sucesso, por 60 países ao redor do mundo entre os quais a Argentina (5% de etanol e 10% de biodiesel), Brasil (25% de etanol e 5% de biodiesel), União Europeia (média de 5% de combustíveis renováveis), China (10% de biocombustíveis), Angola (10% de etanol) e Etiópia (5% de etanol). E já em 2021, vários países como a Índia, Reino Unido, EUA e China, anunciavam a intenção de ampliar a mistura de etanol à gasolina, não só por razões relacionadas à redução dos custos de aquisição dos combustíveis líquidos, como a favor do equilíbrio ambiental e da saúde pública.
Texto Celso Chambisso • Fotografia Adobe Stock