Algures entre Julho e Setembro deste ano, o Starlink espera começar a operar em dois países africanos: a Nigéria e Moçambique, onde, desde Fevereiro, está licenciada pelo Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM) como a quarta operadora no mercado de Internet via satélite.
A empresa, que pertence, como se sabe, à SpaceX, do multibilionário Elon Musk, e fornece conectividade utilizando milhares de satélites no espaço, anunciou a 27 de Maio que já recebeu aprovações regulamentares de ambos os países sendo que, agora, irá começar a vender kits de instalação, que custam 500 dólares e requerem um depósito de 99 dólares. O que levanta a questão: será que os “utilizadores rurais sem ligação” podem realmente pagar este serviço? A pergunta é retórica e a resposta já todos a conhecemos: claro que não.
A contradição começa por aqui: o Starlink é descrita como “ideal para áreas onde a conectividade tem sido pouco fiável ou completamente indisponível”, ou seja, se buscássemos um paralelismo com o desígnio dos bancos, que através dos meios digitais querem “incluir a população não-bancarizada”, o Starlink quer “ligar todos os milhões de não-conectados”.
Claro que a ideia é boa, no papel, para locais onde os fornecedores de serviços de Internet não chegam, como acontece com muitas comunidades rurais que estão longe do acesso à Internet de alta velocidade. Tipicamente, as grandes empresas de telecomunicações estão preocupadas com a recuperação de investimentos de utilizadores de baixa renda e baixa frequência, preocupadas com o custo de operações e manutenção (telcos como o MTN gerem geradores a diesel 24 horas por dia nas suas estações de base na Nigéria, por exemplo), e receiam o custo de reparações após vandalismo ou roubos.
Pelo contrário, os utilizadores de Starlink em todo o lado partilharão a mesma infra-estrutura no espaço sideral.
O utilizador Starlink pode, teoricamente, aceder à Internet, possuindo uma antena exterior num local exposto da sua casa. Isto poderia resolver desafios de acesso em países como Moçambique, onde apenas 16% de uma população de 31 milhões de pessoas utilizam a Internet. Parte da falha reside na infra-estrutura que está a um terço do nível exigido, de acordo com o índice de conectividade móvel da GSMA.
A velocidade de descarga de 100 Mbps do Starlink é quase cinco vezes superior à maior velocidade média de descarga registada na Nigéria para banda larga fixa entre Janeiro e Março deste ano. A velocidade média de descarga para a Internet móvel na África Subsaariana foi de 9 Mbps (pdf) em 2020.
No entanto, o Starlink pode ser demasiado cara para os seus consumidores rurais “ideais” em África.
Após uma revisão de preços em Março, custa agora uma taxa única de $599 (anteriormente $499) para a antena, e o router, e $110 (anteriormente $99) para uma assinatura mensal. E ainda há um escalão de produto premium que custa $2.500 para a instalação e $500 em taxas mensais.
Em comparação com taxas de pobreza de 40% na Nigéria e em Moçambique, um gasto anual de $1.919 para utilizadores (pela primeira vez) nas zonas rurais parece bastante optimista. O salário médio anual de vida na Nigéria, a maior economia de África, é de cerca de 518.400 nairas ($864). Já em Moçambique, de acordo com os indicadores do Banco Mundial, o rendimento per capita anda na casa dos 480 dólares por ano. O que não dá, sequer para comprar a antena, muito menos para uma mensalidade de 100 dólares por mês.
Os africanos da região já gastam a maior proporção do rendimento mensal em smartphones, o principal meio de acesso aos serviços de Internet existentes. Onde a média global é de 26%, ela é de 45% na região subsaariana. Nos EUA, Canadá, e países europeus onde Starlink está actualmente activa, o utilizador médio não tem problemas de acessibilidade, ou nada que se pareça com a realidade de África.
Será que o Starlink adoptará estratégias de preços diferentes em África e nos países menos desenvolvidos, da forma como a Netflix faz, por exemplo? Ainda não se sabe.
Caso contrário, aqueles que podem pagar Starlink parecem ser pessoas urbanas, que, de qualquer forma, já tinham acesso à Internet. E mesmo para esses consumidores, o Starlink é dispendioso.
A conclusão final é simples: ou Musk, sul-africano e um dos homens mais ricos e engenhosos (no que a negócios diz respeito) a nível mundial está redondamente enganado e não percebeu que o Starlink não é negócio ou então, tem algo em vista que ainda não se percebeu o que é. O tempo o dirá.