A 8.ª Conferência e Exposição de Mineração, Petróleo, Gás e Energia, nos dias 2 e 3 de Junho, tem como pano de fundo o desenvolvimento sustentável em toda a cadeia de valor mineral e energética, mas com foco específico num futuro cada vez mais dominado pelas renováveis.
A E&M falou com o representante nacional da Conferência e Exposição de Mineração, Petróleo, Gás e Energia (MMEC, na sigla em inglês), Daúd Jamal, não só para uma antevisão dos aspectos referentes à organização e aos temas que serão levados à mesa dos debates, como também para entender o espaço que será atribuído à implementação das energias renováveis no País perante a corrida pela redução das emissões do carbono.
A MMEC é uma reunião que, desde a sua génese, foi bastante concorrida, reunindo stakeholders do sector energético e da mineração de todas as partes do mundo. No ano passado, por exemplo, e apesar da pandemia, registou uma participação significativa com temas que reuniram até 300 participantes. Este ano, a previsão é de que a participação seja ainda maior a avaliar pela manifestação de interesse e pelas confirmações recebidas pelos organizadores.
Em termos organizativos, este evento, que se realiza bienalmente desde 2008, voltará a ser presencial, depois de no ano passado ter sido realizado virtualmente devido ao covid-19, sendo que será simultaneamente transmitido nas plataformas virtuais.
Daúd Jamal, representante nacional da MMEC e geólogo de profissão, garante que as discussões sobre a expansão das renováveis no País não passarão ao lado deste grande evento.
Quando se concebeu a ideia de realizar o MMEC, qual era o objectivo que se pretendia? Como é que estava o País no que diz respeito à exploração de recursos minerais e energéticos e como estamos agora, depois de sete edições desta conferência?
É preciso lembrar que aquando da primeira edição, em 2008, nem mesmo as minas de carvão de Moatize, em Tete, tinham sido inauguradas.
O País acabava de sair de um Projecto sobre cartografia, financiado pelo Banco Mundial e outros parceiros, que foi importante em termos de transmissão de conhecimento geológico adquirido e deu a conhecer as potencialidades geológicas nacionais. Era preciso, numa primeira fase, dar a conhecer ao mundo sobre essas potencialidades e mostrar, paralelamente, que o quadro regulatório moçambicano é favorável. Portanto, embora não tenhamos dados oficiais, é possível ver e constatar que de lá para cá a indústria mineira cresceu bastante.
Então, o nosso foco inicialmente era mostrar o potencial moçambicano, o quadro fiscal regulatório da indústria extractiva e energética e depois fomos evoluindo para questões relativas ao ambiente de negócios.
E à medida que fomos progredindo, as temáticas sobre a Energia foram ganhando mais destaque. Com a descoberta do gás, a tendência dos últimos anos foi de trazer temáticas sobre Conteúdo Local, cadeias de valor e Sustentabilidade Ambiental. Desde o início estivemos em sintonia com o Governo porque esta conferência nasceu da parceria com a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos e com a Associação Geológica – Mineira de Moçambique. As temáticas eram discutidas com essas instituições nacionais e também com consultas ao Ministério dos Recursos Minerais e Energia.
“A transição energética é uma oportunidade para que as empresas, seguindo as tendências recentes, introduzam tecnologias mais limpas para uma actividade mineira limpa”, Daúd Jamal
Pela abrangência da própria conferência nota-se uma transversalidade temática desde a Mineração à Energia, que inclui recursos como o petróleo e o gás. Quais são os desafios que se pretende atacar dentro dessas áreas, cujas soluções se vão discutir neste encontro?
Em termos energéticos temos um grande desafio não só para Moçambique, mas ao nível global que é a substituição das fontes de combustíveis fósseis. Como organizadores da conferência vemos um potencial bastante elevado.
Sabemos que entre as grandes fontes energéticas do País, além das fontes renováveis, temos o carvão e o gás e somos chamados a pensar na transição energética. Por isso, queremos trazer ao debate ideias sobre como o País pode entrar nesse desafio global. Temos também questões locais para esta conferência, ligadas à indústria extractiva, porque esta também consome energia e é bastante intensiva, pelo que precisa de energia de fontes renováveis.
Queremos levar estes temas à discussão porque a transição energética assenta também em tecnologia, elevado consumo e utilização de minerais. Moçambique detém grandes reservas mundiais de grafite e tem potencial para a produção de lítio. Então, temos o dilema de querer participar desta transição ao mesmo tempo que temos o desafio de saber como extrair todos os recursos disponíveis.
Na conferência vamos discutir a avaliação do ciclo de vida dos projectos mineiros para aferir como é que estes podem enquadrar componentes das energias renováveis. Poder-se-á discutir o ciclo de vida de projectos mineiros, como por exemplo da grafite, e as oportunidades de adição de valor à produção nacional.
Se conseguirmos acrescentar valor aqui e transportar produtos acabados, integrando fontes alternativas de energia renováveis, poderemos contribuir para este grande desafio da transição energética.
Que lugar será atribuído ao carvão neste momento em que as organizações ambientais internacionais começam a limitar a sua utilização para reduzir as emissões de carbono?
A situação em Tete talvez seja um pouco mais complexa porque sabemos que as minas de carvão, geralmente pela natureza orgânica, contêm quantidades elevadas de gases que podem escapar para a atmosfera.
A própria queima do carvão gera gases de estufa e eventuais problemas ambientais. Se aprofundarmos a avaliação dos ciclos de vida dos projectos mineiros, podemos introduzir componentes e processos tecnológicos de forma a que esses problemas de emissões de carbono sejam minorados. Essa transição energética é uma oportunidade também para que as empresas, seguindo as tendências recentes, introduzam tecnologias mais limpas para uma actividade mineira mais limpa. São necessários minerais e elementos químicos, como a grafite, o lítio, cobre, cobalto, etc, para alimentar as novas tecnológias da transição energética, mas também temos o problema do próprio consumo energético desse processo extracção e processamento deste mineral. Então, se fizermos uma análise clara e adoptarmos tecnologias mais apropriadas e mais limpas, podemos participar de melhor forma no processo de transição.
Mas a solução tecnológica para utilizar as energias fósseis com menores índices de emissão de carbono deve sair cara.
Se olharmos o ciclo de vida de uma mina (25 a 30 anos, podendo ser muito mais), o investimento inicial é elevado, pois as tecnologias e equipamentos são caros. A utilização de painéis solares ao nível doméstico também ainda é cara para a maior parte da população.
Mas, olhando para o tempo de vida de uma mina, pode ser uma aposta de longo prazo bastante rentável sob o ponto de vista económico e de sustentabilidade.
“ Temos muito potencial, temos energia solar, eólica, hídrica, biomassas… penso que os sinais são claros de que o Governo moçambicano está engajado na transição energética”
Qual é o estágio de preparação de Moçambique para assegurar a auto-suficiência energética, quer por fonte solar ou outras fontes?
Acho que o País está a dar passos bastante estruturantes. A aposta nas energias renováveis é bastante clara, principalmente no que toca a energia fotovoltaica. Assistimos, nos últimos dois ou três meses, à inauguração de projectos para a produção de energia e a lançamentos de concursos para a construção e exploração de sistemas fotovoltaicos.
Isso é um sinal de que o País está a entrar ou a preparar-se para o desafio da transição. Se a memória não me trai, o Presidente da República disse que faz parte dos desafios de Moçambique para os próximos 15 anos fazer com que, na matriz energética, 20% seja de energias renováveis.
Temos muito potencial, temos energia solar, eólica, hídrica, biomassas… penso que os sinais são claros de que o Governo está engajado na transição.
Como é que o Governo e as empresas privadas podem incentivar a inclusão das PME dentro da cadeia de valor quer da mineração, quer das energias?
Primeiro, aqui em Moçambique não se fala muito, mas pelo mundo fala-se do conceito do life Cycle Assetments, que tem que ver com o ciclo de vida do projecto. Se isto for feito nos grandes projectos, será possível identificar fases do processo produtivo e componentes que vão permitir integração e aproveitamento pelas PME. E porque tudo isso é feito no contexto de sustentabilidade ambiental, biofísica, social, etc, é possível nessa análise integrar as PME no contexto do debate sobre Conteúdo Local.
Acredito que uma análise criteriosa de cada uma das fases do processo produtivo, principalmente a identificação das componentes que podem ser colocadas à disposição das PME para a sua exploração, pode ajudar a indústria local a participar no desenvolvimento da cadeia de valor da indústria extractiva.
Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva