Agricultura e agro-negócio é vital para combater a pobreza e promover crescimento económico inclusivo.
Esse posicionamento foi defendido por Salim Valá, no dia 20 de Maio de 2022, num evento promovido pela Associação dos Jovens Agricultores Portugueses (AJAP), em Maputo. O mito muito propalado de que a agricultura comporta muitos riscos, sobretudo a de pequena e média escala, pode ser uma justificação para a pouca atenção e reduzidos investimentos nesse sector, que actualmente absorve menos de 5% do financiamento à economia.
Na sua alocução, o dirigente da BVM desconstrói essa visão, referindo que mais de 66% da população moçambicana vive nas áreas rurais, e dessa cifra acima de 80% depende da agricultura de pequena escala como fonte de rendimento e reprodução social, e o contributo do sector agrário para o PIB é de cerca de 25%.
Valá enfatizou que a baixa produtividade é a baixa redundância na agricultura são algumas das principais causas da pobreza, cuja incidência está acima de 40%, e também da insegurança alimentar e da desnutrição crónica. O desafio está em alavancar as condições dos cerca de 3,8 agricultores familiares, cujo grau de integração no mercado é muito limitado e a base tecnológica é de tal forma baixa, que todos os indicadores relacionados com uso de sementes melhoradas, fertilizantes, pesticidas, irrigação, uso de meios mecânicos estão abaixo de 5%. Como queremos ter a modernização da agricultura, na extensão do território nacional, se o grosso dos produtores familiares produzem pouco e sem uso de insumos modernos, a qualidade é baixa, estão pouco conectados ao mercado e obtém poucos rendimentos?
Teremos de continuar a fazer investimentos massivos e estratégicos na agricultura, no agro-negócio e na economia rural. Não faz sentido que aquela actividade que proporciona ao Homem um dos bens mais essenciais para a sua sobrevivência, os alimentos, possa ser considerada como uma actividade de elevado risco. A insegurança alimentar não é um risco económico, social e político elevado para a sociedade?
Num outro desenvolvimento, Salim Valá referiu-se a bons exemplos de projectos bem sucedidos no agro-negócio, fundamentalmente implementados com financiamento externo ou através de empresas de fomento de culturas de rendimento, como são os casos do açucar, algodão, macadâmia, banana, castanha de cajú, perâ abacate, tabaco, feijão boer, gergelim, litchi, mangas, entre outras. Esses empreendimentos são de agricultura moderna, são autênticas “ilhas de prosperidade rodeadas por um imenso mar de micro e pequenos empreendimentos de baixa produtividade”.
O orador referiu que é fundamental alterar o paradigma agrícola no país, por forma a fazer com que os protagonistas da agricultura não sejam os avós, país, tios e outros familiares que adoptam tecnologias arcaicas e ficam envelhecidos prematuramente pelas difíceis condições do trabalho agrícola, mas sejam substituídos por jovens empreendedores, capacitados nas escolas, institutos e universidades, que usam novas tecnologias, insumos melhorados, que apostem na irrigação, mecanização e usem serviços de extensão rural, que estejam conectados aos mercados regionais e globais, com acesso a mecanismos financeiros inovadores, e que lideram empresas bem geridas e governadas e que apostam em fazer negócios com ética.
No actual contexto de desenvolvimento do país, é necessário continuar a ensaiar formas de como conectar melhor os projectos de promoção da agricultura moderna com as iniciativas familiares assentes em tecnologia de base rudimentar. Existem dois mundos agrícolas distintos que é fundamental interligar e induzir á aproximações e sinergias entre eles.
Não tenhamos ilusões, esse é um trabalho que vai levar décadas, mas deverá ser iluminado e guiado por políticas, estratégias e medidas compreensivas, coerentes e consistentes no tempo e no espaço, um projecto de responsabilidades partilhadas, e dever-se-á envolver harmoniosamente o sector privado, o Governo, os institutos e universidades, os centros de pesquisa, os órgãos de comunicação social, os bancos e outras instituições financeiras, a sociedade civil e os parceiros de cooperação.
Esse é um dos maiores desafios que o país terá de enfrentar e vencer, para a transformação estrutural da sua economia. Corroboro com a visão de Carlos Lopes, veiculada no seu último livro “Africa em Transformação”. O autor defende que a promoção da industrialização é uma exigência para África se quer gerar mais empregos e aumentar a renda das famílias, e a porta de entrada para a industrialização é a agricultura, o agro-negócio e a economia rural.
Num livro que escrevi em 2019, “Economia Moçambicana numa Encruzilhada?” defendi que o desenvolvimento económico deverá ser feito, incontornavelmente, com recurso à iniciativas transversais de promoção do capital humano, ter políticas compreensivas, fortalecer as instituições e pavimentar o território de infraestruturas sociais essenciais e de apoio ao desenvolvimento de negócios, nem descurando a necessidade de adaptação as mudanças climáticas.
Bolsa de Valores Pode Ser Parte da Solução Para o Financiamento ao Agro-Negócio
A agricultura é a base de desenvolvimento do país, ou seja, a maior parte dos moçambicanos vivem e dedicam-se a agricultura e à outras actividades a ela correlacionada. O sector secundário e terciário, nas cidades, está de alguma forma conectado à agricultura e à outras actividades a ela ligada, como a certificação, armazenamento, transporte, conservação, processamento e outras etapas da cadeia de valor. Além da necessidade de intervir ao nível de toda a cadeia de valor, é vital concentrar-se em áreas de foco e apostar na gestão de conhecimento por forma a explorar o potencial intrínseco em cada território.
Apesar da agricultura ser o sector com significativa contribuição para o PIB, para o emprego e a renda das famílias, ela não é, infelizmente, uma área que apresenta uma estrutura empresarial pujante, com adequada gestão e que possui uma base financeira organizada, transparente e consistente.
A BVM sendo um mecanismo de financiamento inovador, tem ainda reduzida dimensão, liquidez e profundidade. Na verdade, possui uma capitalização bolsista de 19% do PIB, tem listada em bolsa 11 empresas, tem 216 títulos registados e 23 695 titulares registados na Central de Valores Mobiliários, e o volume de negócios e a liquidez de mercado, embora ainda modestos, tem estado a subir gradualmente. As empresas actualmente cotadas são do ramo de serviços, seguros, indústria de bebidas, investimentos, publicidade, energia, hidrocarbonetos e tecnologias. Sete empresas estão cotadas no Mercado de Cotações Oficiais, uma no Segundo Mercado e três no Terceiro Mercado. Apesar da agricultura ser a base do desenvolvimento nacional, a BVM ainda não possui nenhuma empresa cotada nesse sector.
Não estamos satisfeitos por até ao momento, e depois de 23 anos de funcionamento da BVM, não termos uma empresa ligada a agricultura e ao agro-negócio cotada em bolsa.
No médio prazo, a BVM pretende segmentar os mercados de bolsa, e isso preconiza a existência d segmentos de mercado específicos para a agricultura e o agro-negócio, a indústria transformadora, o turismo, as pescas, o comércio as infraestruturas, o sector financeiro e as “fintech”, o complexo mineral-energético (incluindo o “Oil and Gas”), as empresas do Sector Empresarial do Estado, as PME´s, as empresas de telefonia móvel, as Sociedades Anónimas Desportivas (SAD´s), as Parcerias Público Privadas e as Concessões Empresariais, entre outras. Não estamos satisfeitos por até ao momento, e depois de 23 anos de funcionamento da BVM, não termos uma empresa ligada a agricultura e ao agro-negócio cotada em bolsa.
O PCA da BVM enfatizou que a BVM sempre se preocupou com a listagem na bolsa de empresas de diferentes dimensões, fazendo parte de distintos sectores de actividade económica e localizadas em diferentes regiões do país. A nossa parceria com a AJAP, a CTA, o IPEME, a APME,, a OCAM, o IGEPE, o ISCAM entre outras instituições, tem em vista assegurar que as empresas moçambicanas usem mais o mercado de capitais e a BVM.
No caso específico da área da agricultura, do agro-negócio e do desenvolvimento rural, priorizamos a tomada de medidas económicas e sociais que viabilizem a fixação de pessoas no meio rural, vivendo e trabalhando em condições dignas e aprazíveis. Ou seja, atrair pessoas para viver no campo é parte do esforço de estancar o êxodo rural, pois as pessoas não saem do campo a procura de facilidades nas cidades, mas porque nas áreas rurais a vida tem sido marcada por muitas e múltiplas dificuldades, em particular a falta de oportunidades de emprego e acesso aos serviços essenciais.
Ao criar o Segundo Mercado para as PME´s em 2009, e posteriormente o Terceiro Mercado em 2019, a BVM procurou respondeu a situação concreta da economia moçambicana em cada contexto do seu processo de desenvolvimento. Tendo em conta os requisitos de natureza jurídico-legal, económico-financeiro e de mercado, a instituição não quis “ficar na sua zona de conforto”. Pelo contrário, trabalhou com as diversas instituições da constelação do mercado de capitais, em particular a CTA, no sentido de criar a base institucional de suporte para que o grosso das empresas moçambicanas pudessem ter o potencial para usar a plataforma da Bolsa de Valores, mas mantendo a integridade, a transparência, a equidade e a liquidez do mercado.
Salim Valá enfatizou que a BVM tem estado a manter um programa de educação e literacia financeira robusto, criativo e abrangente, no sentido de mostrar aos empresários e investidores que usar a BVM não é um “bicho de sete cabeças” nem se assemelha a “escalar uma montanha inacessível e perigosa”. Pelo contrário, há uma série de requisitos a respeitar, como a conformidade legal da empresa e das acções a cotar, a boa saúde económico-financeira, a capitalização bolsista previsível e os capitais próprios, a necessidade de ter contabilidade organizada e contas auditadas, a dispersão accionista e a livre transmissibilidade das acções.
Valá sublinhou que é necessário que as empresas tenham a formatação jurídica de Sociedade Anónima, estejam dispostas a fornecer ao mercado informação financeira relevante periodicamente, submetam-se ao escrutínio público e adoptem práticas de governação transparentes e ética nos negócios.
BVM Como Um Mecanismo Inovador de Financiamento e Dispersão do Risco
Usar a plataforma da Bolsa de Valores é seguir um caminho pouco conhecido, pouco usado pelos empresários e, por isso, ainda encarado com alguma hesitação, desconfiança, relutância e até dúvida, alguns até acreditando que é um “jogo de sorte ou azar”.
É normal que assim seja. Novas ideias e abordagens quase sempre suscitam receios, incompreensões e até desdém. O importante é perceber a lógica, ter informação relevante, perceber o mecanismo de funcionamento do mercado de capitais, saber como aceder aos produtos e serviços, as vantagens e os riscos. Na verdade, qualquer investimento comporta riscos, e por isso é vital ter informação relevante antes de tomar qualquer decisão.
Aceder ao financiamento via Bolsa de Valores é uma possibilidade de obter recursos à um custo mais barato, permite dispersar o risco, usufruir de benefícios fiscais, ter mais visibilidade da empresa e estar inserido numa plataforma que permite potenciar parcerias empresariais. Em contrapartida, deve-se estar preparado para abraçar uma gestão transparente, submeter-se a obrigatoriedade de apresentar informação financeira aos investidores e ao mercado e ter regras de governação escrutináveis.
Os jovens empreendedores agrícolas moçambicanos tem de estar umbilicalmente ligados a educação, ciência, tecnologia e inovação. Tem de estar preparados para aprender com os projectos de agro-negócio que usem base tecnológica moderna, bons sistemas de gestão e governação, tenham ligações com os mercados nacionais, regionais e globais, preocupem-se com os requisitos de qualidade e certificação e façam o marketing dos produtos e da empresa.
Moçambique pode aprender muito e continuar a partilhar experiências com Portugal e a AJAP, como bem frisou Firmino Cordeiro, Director-Geral da AJAP, ao destacar o “networking”, a partilha de conhecimentos e “boas práticas” entre os dois países, gerando um contexto apropriado para que os jovens agricultores moçambicanos possam abrir novas frentes no agro-negócio, apostando inequivocamente na competitividade, na inovação, na promoção de ligações de mercado e na modernização da agricultura. “O conhecimento, o financiamento inovador e os mercados são factores críticos de sucesso”, destacou Firmino Cordeiro.
A finalizar, o PCA da BVM rematou que as empresas da agricultura e do agro-negócio moçambicanas precisam de compreender que a Bolsa de Valores pode ser um factor diferencial no seu negócio, permitindo obter financiamento a custos acessíveis, marcar a diferença, agregar valor, atrair investidores e contribuir para tornar a agricultura uma actividade percepcionada como de risco mais reduzido.
Discurso de Salim Cripton Valá, PCA da BVM, intervindo no “Fórum de Qualidade e Sustentabilidade Agro-Alimentar”