A verdade é que ninguém precisa de largar o emprego para aprender a apreciar um bom vinho.
O vinho é a bebida mais extraordinária, mas também a mais deliciosamente complexa que vamos ter no copo. Por isso não é difícil ser apanhado numa situação para a qual não nos sentimos preparados, mas é igualmente verdade que o vinho não foi inventado para dramas. Pelo contrário, o objectivo é gerar prazer, alegria e bons momentos. Por isso vamos tentar descomplicar para aproveitar tudo o que este néctar tem para oferecer…
À prova
Já se perguntou como é que os especialistas conseguem identificar tantas notas? Precisamente porque encaram a coisa de forma profissional. Treinam o olfacto, recolhem, catalogam e memorizam os cheiros – ninguém consegue identificar algo que não conhece, não é? Por isso, há que aproveitar todas as oportunidades para treinar este sentido, e isso não significa beber. Por exemplo, a comer um gelado é fácil identificar muitos aromas presentes numa garrafa: baunilha, menta, chocolate, caramelo, etc., dependendo obviamente dos sabores que escolher.
Dito isto, numa prova não se comentam apenas as notas do vinho, mas também a sua textura: se tem muita presença na boca, tem corpo; se tem pouca, é leve. O primeiro tem mais taninos, o segundo mais acidez. Um tem mais álcool e sabor, o outro mais complexidade aromática. Talvez seja mais fácil perceber estas nuances e, por isso, da próxima vez que tiver de comentar um vinho no restaurante opte por falar do seu volume na boca. Vai impressionar os amigos e até o escanção. Só não caia no erro de dizer que um branco tem muitos taninos, porque deita tudo por terra.
Um vinho, muitos defeitos
Esta é a história de um casal que pediu um vinho no restaurante e achou que estava estragado. Explicaram-no ao escanção, que tinha duas hipóteses: ou aceitava a troca ou tentava demovê-los. A primeira hipótese teria sido a mais acertada, mais a mais porque não implicava qualquer prejuízo, pois o restaurante podia sempre devolver a garrafa à distribuidora. Infelizmente optou pela segunda, argumentando que aquilo que viam como defeito não o era, antes o carácter pretendido pelo enólogo. Teve azar, porque o interlocutor era o próprio enólogo, que se apresentou nessa altura.
Conseguir identificar alguns dos erros mais comuns (ou graves) será tão ou mais importante ainda do que perceber esta ou aquela característica. Essa pequena história esconde, no entanto, essa nuance: por vezes o que é entendido como um defeito pode mesmo ser uma característica. Um exemplo são os vinhos mais turvos, quase sempre um defeito causado por proliferação de bactérias ou leveduras, mas perfeitamente aceitável em vinhos naturais – muito na moda – que não apresentam grande clarificação precisamente por serem alvo de muito pouca intervenção enológica.
Resumindo, estes são alguns dos principais defeitos a que deverá estar atento:
Brett
Muitas vezes identificado como suor de cavalo. O cheiro lembra equídeos suados e há quem fale em estrebarias e pocilgas. Pelas comparações percebe-se que não pode ser coisa boa. Ainda assim, em doses muito suaves, pode até significar alguma complexidade, mas quando o cheiro é evidente está na hora de mandar o vinho para trás.
Rolha
Um aroma facilmente identificado pelo cheiro a bolor ou mofo na rolha. Tem origem num fungo que ataca a cortiça.
Oxidação
Comum nos brancos correntes, sem potencial de guarda e que, ao fim de poucos anos, já apresentam uma espécie de cheiro a maçã estragada. Tal como com o fruto, aqui o problema também pode ser provocado por um contacto excessivo com o oxigénio.
Cozido
O líquido não gosta de se bronzear, mas infelizmente alguns estabelecimentos gostam de colocar os vinhos na vitrine para os destacar. Em contacto com o sol perdem toda a vivacidade e é como se estivesse a beber uma coisa inerte, sem vida. O oposto da essência do vinho. Mais uma vez, é mandar para trás.
Que vinho escolher para acompanhar cada refeição?
A tradição manda que peixe vai com branco e carne com tinto, mas a tradição já não é o que era. E o que fazer quando não é carne nem é peixe? Por vezes faz sentido um certo contraponto entre a comida e o vinho, como é o caso dos queijos, cuja cremosidade liga melhor com a acidez de um branco. Num tinto podem exponenciar demasiado os taninos, deixando a boca seca. Mas, por vezes, a opção deve ser a complementaridade, e um tinto com notas de bosque (como os Dão) acompanha melhor cogumelos ou carnes vermelhas. A verdade é que existem tantas excepções que até as excepções têm as suas excepções… O bacalhau é o único peixe que vai com tinto, excepto se for cozido, que vai melhor com branco… No fundo, a regra é mesmo a sua ausência e tudo se resume a um gosto pessoal, por isso, num restaurante, não tenha medo em aconselhar-se com o sommelier, expondo estas dúvidas. Vai ver como ganha o seu respeito.
A temperatura certa
Eis um grande problema, mas de fácil resolução: a famosa “temperatura ambiente”, na verdade, não quer dizer nada, e se alguma vez teve significado foi numa altura em que as casas não eram aquecidas. O calor faz com que o álcool sobressaia demasiado, mascarando todos os outros aromas. Como regra, sirva os seus brancos a 8° e os tintos a 16°, ou mesmo a 15°. Em casa tenha sempre um termómetro, e num restaurante pode até ver se a garrafa (de tinto) está fresca ao toque.
O barato não sai caro
A ocasião faz o vinho e não precisa de servir apenas os melhores para provar como é um entendido. O segredo está em saber escolher, e existem vários vinhos de qualidade a preços bastante acessíveis. Por isso, relaxe, feche os olhos, desperte os sentidos e deixe que a viagem comece.