O Fundo Monetário Internacional (FMI) acredita nas reformas levadas a cabo em Moçambique depois do processo das dívidas ocultas por forma a evitar que algo semelhante volte a acontecer, diz o representante do FMI no País.
“O foco é pensar nas reformas que foram feitas”, referiu Alexis Meyer-Cirkel, dias depois de aprovado o acordo de financiamento no valor de 470 milhões de dólares com Moçambique a aplicar até 2025, o primeiro depois da descoberta do caso de corrupção em 2016.
A lista de reformas que dá confiança ao FMI inclui um relatório de 2019 sobre corrupção e medidas para a atacar, avanços do Sistema de Administração Financeira do Estado (Sistafe), a criação de direcções orgânicas que controlam riscos fiscais, além de iniciativas legislativas, como a lei do sector empresarial do Estado.
“Riscos existem sempre, mas é importante lembrar que essa dinâmica de fortalecimento das instituições tem acontecido, com mudanças nos códigos e leis”, referiu.
Há mais divulgação de informação, no caso da dívida pública, ou da recente auditoria à utilização dos fundos para enfrentar o covid-19 – em que o FMI foi um dos doadores -, e mais publicações significa mais transparência, acrescentou Alexis Meyer-Cirkel.
“A questão agora é a execução e implementação”, ou seja, um capítulo de novas reformas que o Governo se compromete a realizar no acordo financeiro estabelecido com o FMI.
Em entrevista divulgada pela Lusa, o representante do FMI em Moçambique disse que esses compromissos não prevêem uma subida de impostos, nem outro tipo de medidas de austeridade. “Não há um aumento tributário”, referiu, “a ideia é ampliar a base tributária e até baixar níveis na margem de algumas taxas”.
“Não é um momento de aperto fiscal, não é esse o caminho do programa”, disse, admitindo “ajustes, sim, mas visando aumentar a eficiência” da arrecadação de receitas, bem como da distribuição por quem “contribui” e assim “levar à queda do endividamento público e à estabilidade da dívida”.
Um aperto fiscal agora comprometeria o crescimento, reconheceu.
Estabilidade macroeconómica, crescimento inclusivo e fortalecimento das instituições de gestão das finanças públicas são os objectivos do FMI com o programa que foi sendo preparado graças a uma assistência técnica ao País que nunca parou e que tem acompanhado as políticas domésticas.
Os detalhes do acordo devem ser publicados antes do final do mês e derivam das 29 medidas indicadas pelo Governo no relatório de diagnóstico à corrupção de 2019, incluindo novas leis contra branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (aprovadas este mês pelo Parlamento), reformas da lei de probidade pública e de gestão fiscal, avanços na digitalização da tributação e contínua evolução do Sistafe.
“Tudo isso melhora a transparência e gestão do orçamento”, o que na visão do FMI “ajudará à criação de infra-estruturas e à industrialização do País, numa vaga de desenvolvimento que deverá criar mais emprego e atrair trabalhadores informais para a base tributária, alargando-a. Moçambique está no fim de uma série de choques históricos: dívidas ocultas, choques climáticos, pandemia, terrorismo, choques de magnitude muito grande a que o Estado conseguiu fazer frente sem comprometer a estabilidade fiscal e da dívida” – apesar de a dívida estar num nível “alto” (102% do PIB).Por isso, “o caminho tem de ser percorrido com cautela”, disse, sublinhando que “a macro estabilidade é algo a que só se dá valor quando se perde”.
A invasão da Ucrânia pela Rússia “gera pressão sobre os preços”, tanto das matérias-primas agrícolas como dos combustíveis, o que afecta o cabaz de preços “também em Moçambique”.
O FMI prevê que a inflação deva chegar neste ano aos 9% e, em 2023, abrandar para 7%. Alexis Meyer-Cirkel disse que o banco central “reagiu com bastante prudência em Março” ao subir a taxa de política monetária para 15,25%, ao avaliar os riscos inflacionistas.
O representante do FMI considerou que a instituição “tem feito uma excelente gestão da política monetária. Tenho toda a confiança de que o Banco de Moçambique continuará a fazer essa avaliação”.
O FMI espera que a economia de Moçambique cresça 3,8% este ano, segundo a actualização de previsões feita em Abril, uma perspectiva mais optimista que a do próprio Governo moçambicano, cujo Orçamento do Estado para 2022, aprovado em Dezembro (antes da guerra na Ucrânia), assenta numa subida do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,9%.
Para 2023, o FMI prevê uma aceleração da economia, para crescer 5%.
As expectativas estão muito centradas no avanço dos projectos de exploração de gás da bacia do Rovuma, ao largo de Cabo Delgado, Norte do País, com a primeira exportação prevista para os próximos meses a partir da plataforma flutuante Coral Sul.
Trata-se, no entanto, da unidade de menor volume e cujo gás está vendido por duas décadas à petrolífera BP.
O grande projecto, que trará grandes receitas para o Estado, foi suspenso devido à insurgência armada em Cabo Delgado, mas o FMI espera que seja retomado e que entre em produção em 2026.