Os preços globais do trigo são tão elevados que os consumidores africanos se vêem obrigados a começar a abandonar os cereais da sua dieta.
Produtores de alimentos no Quénia, Egipto, República Democrática do Congo, Nigéria e Camarões dizem estar a misturar alternativas mais baratas nas receitas utilizadas para fazer pão, uma das bases da alimentação no continente, bem como na produção industrial de massas alimentícias. Assim, o arroz produzido localmente, a farinha de mandioca e sorgo estão a substituir o trigo, cujos preços nos mercados aumentaram cerca de 40% só este ano à medida que a invasão russa “espremeu” as exportações da Ucrânia, um dos maiores exportadores mundiais deste cereal.
Estas culturas nacionais estão menos expostas a perturbações do comércio e à inflação global, oferecendo assim alguma protecção contra preços de alimentos que permanecem próximos de níveis recorde.
O Quénia importa cerca de 44% do seu trigo da região do Mar Negro, e o aumento dos preços ajudou a aumentar a inflação para 6,5% em Abril. A Unga Group Plc, fabricante de farinha de trigo da marca Exe e de farinha de milho Jogoo, com sede em Nairobi, está a assistir a uma mudança nas vendas para a sua linha Amana de arroz e leguminosas.
“Há um pico no preço do milho e do trigo que leva os consumidores a outras alternativas”, disse o director-geral Joseph Choge, citado pela Bloomberg. “As vendas de leguminosas e arroz estão a crescer, enquanto que o trigo está a descer”.
O preço do milho à saída da exploração agrícola duplicou, e os moleiros estão a lutar para conseguir fornecimentos suficientes, disse.
Os abastecimentos globais de trigo poderiam diminuir ainda mais à medida que a Índia considera restringir as exportações, após severas ondas de calor danificarem as colheitas, relatava recentemente a Bloomberg News. E já anteriormente, o país reduziu a sua estimativa de produção para esta estação, apesar de ter dito que há oferta suficiente para satisfazer a procura interna.
“Estamos a assistir a alguma pressão no sentido de um maior consumo de grãos grossos produzidos internamente no continente”, disse recentemente Shirley Mustafa, economista da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura.
E, no mesmo sentido, a FAO cortou as suas perspectivas de 2022 para a produção global de trigo, afirmando que a previsão para a Ucrânia permaneceu abaixo da média. A guerra irá provavelmente reduzir a área colhida em pelo menos um quinto.
Já no Egipto, o maior comprador de trigo do continente, com mais de 80% das importações provenientes da Ucrânia e da Rússia, as compras governamentais estão 13% atrasadas em relação ao ano passado.
Face a este tipo de pressão, o grupo Egyptian Swiss fabricante de massas está a experimentar novas receitas utilizando arroz, milho e farinha de lentilhas. “O preço comanda a nossa actuação no mercado”, disse Ahmed El-Sebaie, Director-Geral do grupo.
A Nestlé Nigeria Plc, fabricante dos cereais Golden Morn, está a introduzir mais culturas produzidas localmente na sua linhagem, de acordo com o relatório anual da empresa para 2021. Estas incluem o sorgo e os grãos de soja.
No Congo, o Governo aprovou um programa de apoio à produção de farinha de mandioca para o fabrico de pão e pastelaria. A farinha é feita a partir de mandioca, uma raiz rica em amido.
Isso poderia ajudar o Congo a reduzir a sua dependência do trigo importado, que custa cerca de 87 milhões de dólares por ano, disse no Twitter o Ministro da Indústria Julien Paluku.
“Se a maioria destes produtos fosse feita no terreno, sofreríamos menos com a crise ucraniana”, disse Andre Wameso, o Vice-Chefe do Gabinete do Presidente para as questões económicas.
Os Camarões importam cerca de 1 milhão de toneladas de trigo por ano, classificando-se entre os 10 maiores compradores da África subsaariana, de acordo com dados do Departamento de Agricultura dos EUA. A diminuição da produção interna levou-o a suspender as exportações de farinha de trigo, arroz e cereais para os países vizinhos.
A mudança ocorreu após o Governo ter aumentado os preços do pão em 20% em Março. Em resposta, algumas empresas de alimentos estão a fazer um pivot para as batatas.
“A procura de batatas irlandesas pelos produtores de pão aumentou tremendamente”, disse Sylvanus Nsaichia Kiyung, um agricultor da cidade noroeste de Santa. “Estou a planear adquirir mais terras agrícolas e plantar mais batatas, a fim de recuperar o atraso em relação à procura. Todas as sete toneladas de batatas que produzi este ano foram desalfandegadas”, concluiu.