Dois anos passados sobre o início da pandemia e, aparentemente, de volta a uma relativa normalidade, a dinâmica do mercado reaviva-se e a esperança renasce. Como se alguém tivesse carregado no play depois de uma longa pausa, voltam as promessas, as conferências e os debates sobre as oportunidades de uma nova fase, que se quer de recuperação, para as empresas e a economia nacional.
E, como não podia deixar de ser, volta a discussão sobre o Conteúdo Local e a lei que tarda em ser publicada (e que muitos acreditam, ainda, ser “o elo que falta” na relação com os grandes investidores); volta o debate sobre a protecção que esta lei deve conferir às empresas locais, como se aí residisse a chave para o sucesso (sem que se tenha chegado, ainda, a um consenso sobre o que se deve considerar “local”); e voltam as queixas sobre as dificuldades (do financiamento às injustiças) que as Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME) enfrentam para abraçar as prometidas oportunidades.
Entretanto, o tema da prontidão e da competitividade das MPME nacionais enquanto alavanca de um modelo de geração e manutenção de oportunidades de negócio mais robustas continua a passar discreto. O foco volta a ser posto no que o Governo, as Organizações Não Governamentais (ONG’s), os Investidores, os Bancos e demais parceiros podem fazer pelas MPME, em vez de incidir, pelo menos igualmente, no que as MPME podem fazer por si próprias (e que não é pouco!) na escalada do acesso às oportunidades.
Em 2019, na 6ª Conferência do Gás de Moçambique, no seu discurso, o Exmo. Senhor Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, disse (segundo ficou registado no resumo da conferência), apelando a uma atitude de responsabilidade colectiva pelo sucesso, que as empresas Locais deviam parar de se queixar e ir atrás das oportunidades. Sabemos todos que os obstáculos subjacentes são muitos. Porém, o apelo feito encerra uma atitude proactiva, que era na altura e é hoje, por demais urgente e relevante.
Sendo a base do Conteúdo Local negócio, e não responsabilidade social, parece haver pouca esperança de que os investidores venham a baixar os standards a que estão habituados ou se disponibilizem para correr riscos significativamente mais elevados em prol da concretização de um maior número de oportunidades para as MPME’s locais.
Entretanto, como sabemos, a maior parte das companhias locais não tem, efectivamente, capacidade para competir com empresas estabelecidas e com provas dadas no cumprimento dos standards internacionais de qualidade e segurança impostos pelos investidores. Por outro lado, o tempo urge e dificilmente as empresas terão tempo para se prepararem cabalmente a tempo de aproveitarem as oportunidades que surgem e/ou irão surgir na medida da evolução do mercado. Assim, a não ser que haja uma mudança radical de atitude, as MPME locais poderão, de facto, nunca chegar a ganhar, ou ganhar muito pouco, com as oportunidades trazidas pelos investidores.
A corrida pelas oportunidades no contexto do conteúdo local é uma maratona que exige esforço, concentração e resiliência.
Não obstante a regulamentação do conteúdo local ser importante na definição da moldura legal em que as oportunidades vão ser geradas e acedidas, as MPME precisam de desenvolver e/ou reinventar os seus modelos de negócio, planos e/ou estratégias operacionais para poderem aumentar e expandir as suas actividades e capacidades, e, assim, poderem posicionar-se como parceiros locais dos tão almejados investimentos.
Caso contrário, ainda que a lei faça o seu papel, as oportunidades conquistadas acabarão por perder-se nas fragilidades que geram o incumprimento de contractos e fortalecem a imagem de incapacidade do mercado local para suprir as necessidades de produtos e serviços necessários à operação dos Investidores.
Nessa perspectiva, as MPME precisam de se dignificar, valorizando o que têm de bom –, por exemplo, a capacidade de compreender o mercado, a cultura e a língua local, fundamentais para a gestão e estabilidade das operações que os investidores pretendem levar a cabo, e o know-how para operar num ambiente de negócios próprio e exigente do ponto de vista da resiliência.
Enquanto, proactivamente, devem avaliar e mitigar as suas fragilidades no contexto do cumprimento dos standards impostos pelos investidores, apostando em parcerias, formação e outros modelos que, de algum modo, permitam transferência de know how, maior competitividade e credibilidade sobre a capacidade para prestarem serviços ou fornecerem produtos até agora importados; bebendo da experiência de outros mercados; e procurando apoio personalizado de modo a conseguirem a efectiva melhoria dos seus processos e, consequentemente, da operacionalidade e competitividade dos seus negócios.
A corrida pelas oportunidades no contexto do conteúdo local é uma maratona que exige esforço, concentração e resiliência. Não há um modelo que sirva a todos – investidores e MPME têm perspectivas diferentes e cada empresa tem de percorrer o seu próprio caminho para se posicionar num mercado intolerante ao incumprimento dos padrões e exigente no rigor, eficácia e eficiência que demanda dos seus fornecedores. Nesse contexto, formar alianças não é um sinal de fraqueza, mas sim de humildade, no reconhecimento das fragilidades, e de inteligência, na percepção dos benefícios que o reforço das capacidades poderá trazer ao negócio e à credibilidade no mercado.
Enquanto empresária, e gestora de uma PME em Moçambique há mais de dez anos, tenho muita dificuldade em acreditar que a lei seja a solução de todos os problemas das MPME no contexto do Conteúdo Local. Pelo contrário, acredito que, para que as oportunidades se materializem e o desenvolvimento aconteça, todas as partes devem ter um papel activo e encararem o processo de forma séria:
– O estado, assumindo a responsabilidade de criar uma moldura legal que premeie a competência e a competitividade e promova a justiça na distribuição de oportunidades;
– Os investidores, não permitindo que as expectativas geradas sejam defraudadas e garantindo, nomeadamente, processos de procurement credíveis e transparentes e um acompanhamento e feedback apropriados sobre os concursos e prestação dos serviços contratados, de modo a permitir a evolução e melhoria continua das empresas locais.
– As MPME locais, assumindo o compromisso de reverem a cultura organizacional e de implementarem hábitos e metodologias de trabalho que lhes permitam ser, efectivamente, mais competitivas, confiáveis e sustentáveis.
– Os parceiros no desenvolvimento, promovendo a agregação de valor, divulgando os casos de sucesso e contribuindo para a dignificação das MPME locais.
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