O recém anunciado acordo técnico entre o FMI e o Governo moçambicano sobre um programa de três anos, a ser suportado pelo instrumento de financiamento alargado, no qual o Orçamento Geral do Estado (OGE) beneficiará de $470 milhões, dividiu as opiniões de alguns analistas quanto aos reais benefícios decorrentes desse apoio.
Estão ainda presentes, na memória de muitos, os impactos sociais nefastos das medidas impostas ao País para poder beneficiar-se dos financiamentos do FMI e do Banco Mundial nos finais da década 80 e na primeira metade dos anos 90. Todavia, os ganhos económicos a longo prazo traduziram-se em maior estabilidade macroeconómica com um metical menos volátil e um crescimento económico de dois dígitos durante vários anos.
As reformas económicas introduzidas permitiram ao País tornar-se atractivo ao capital internacional e captar importantes volumes de Investimento Directo Estrangeiro (IDE) em quase todos os sectores da economia.
O desvendar das dívidas ocultas em 2016, que levou ao cancelamento do programa de apoio financeiro directo ao OGE por parte do FMI e de outros financiadores bilaterais e multilaterais, assim como o incumprimento e a reestruturação nos Ematum Bonds que foram depois convertidos em títulos soberanos, levaram a sucessivas quedas na classificação de Moçambique pelas principais agências de notação (Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s) até atingir a categoria de junk. Importa referir que a classificação atribuída ao País, por essas agências de notação, já se encontrava em tendência decrescente entre 2013 e 2015, ou seja, mesmo antes da descoberta das “dívidas”.
Em Março último, a Fitch manteve a classificação de Moçambique em “CCC” e a Moody’s manteve em “Caa2” tendo melhorado a perspectiva de estável para positiva. Isto significa que o País, de acordo com estas agências, mantém-se numa categoria “extremamente especulativa” e tal cenário agrava o custo de fazer negócio em Moçambique. Os investidores estrangeiros e alguns nacionais atribuem um prémio de risco soberano consentâneo com a classificação de Moçambique no mercado internacional, o que significa que o endividamento das entidades públicas e privadas nacionais é caro e em linha com a baixa classificação do País e tornar-se-á mais barato à medida que tal classificação for melhorada.
A subida na classificação do nível de “extremamente especulativa” para a de “grau de investimento” requer reformas estruturantes de alcance muito abrangente.
O facto mais relevante deste novo acordo com o FMI é que ele vem demonstrar à comunidade doadora de que há condições para negociar e aprovar novos programas de apoio bilateral e multilateral ao OGE
Embora os detalhes específicos do novo acordo alcançado com o FMI não sejam de domínio público, os comunicados publicados pelo Fundo e pelo Ministério da Economia e Finanças (MEF) informam que o programa de financiamento vai apoiar reformas que incluem a aprovação da Lei sobre o Fundo Soberano, a publicação do relatório de auditoria sobre a gestão dos fundos do Covid-19, alteração da Lei de Probidade Pública e da legislação sobre Branqueamento de Capitais e Combate ao Financiamento ao Terrorismo.
O programa também aborda a transparência na gestão da dívida pública e no sector de recursos naturais, identificados como áreas-chave no Relatório de Diagnóstico de 2019 sobre Transparência, Governação e Corrupção, preparado pelo Governo com o apoio do FMI. O facto mais relevante deste novo acordo com o FMI é que ele vem demonstrar à comunidade doadora de que há condições para negociar e aprovar novos programas de apoio bilateral e multilateral ao OGE.
O pacote de reformas tornado público estabelece que os principais objectivos do programa de médio prazo serão o crescimento económico, a sustentabilidade fiscal e reformas na gestão e governação das finanças públicas. As medidas incluem reformas na administração fiscal e na política do IVA.
A reforma da massa salarial do Estado ora em curso é referida como uma acção que deverá reduzir a pressão sobre as finanças públicas e conduzir a uma convergência da massa salarial, em relação ao PIB, para níveis médios observados na região.
Uma meta importante avançada pelo Ministro da Economia e Finanças à imprensa é a de reduzir o rácio “Dívida Pública / PIB” dos actuais cerca de 113% para 60%, uma meta ambiciosa mesmo quando comparada com os níveis anteriores a 2016 (37% em 2012, 50% em 2013, 64% em 2014 e 87% em 2015).
A boa gestão das políticas fiscal, monetária e cambial irá, certamente, concorrer para a subida da classificação de Moçambique no mercado financeiro internacional, conduzindo a maiores volumes de IDE, de investimento doméstico e de apoio externo, e promover um maior crescimento da economia
Existem vários factores que constituem um elevado risco para o alcance dos objectivos do programa, com destaque para os impactos das intempéries e a situação actual do tecido empresarial do Estado.
O financiamento aos investimentos de reposição de infra-estruturas públicas destruídas por eventos climáticos assim como os mecanismos de apoio às populações afectadas devem ser alvo de instrumentos financeiros de mitigação que protejam o OGE. O risco orçamental que advém da situação financeira de algumas empresas públicas é muito significativo e espera-se que sejam tomadas medidas para alterar o actual cenário. Os moçambicanos é que devem assumir a propriedade destas e de outras reformas fulcrais para o desenvolvimento do País.
A gestão da política monetária e das reservas internacionais devem continuar a ser prudentes e responsáveis com o objectivo de controlar a evolução do nível de preços e da Balança de Pagamentos num contexto de acrescidas incertezas resultantes do conflito Rússia-Ucrânia. Uma inflação baixa e estável e um saldo de Reservas Internacionais confortável (cobrindo mais de quatro meses de importações, excluindo os grandes projectos) irão permitir a adopção de uma política monetária expansiva a médio prazo, onde o preço do dinheiro será mais baixo e o banco central poderá ser mais activo no mercado cambial para proteger a moeda nacional de choques perversos. A boa gestão das políticas fiscal, monetária e cambial irá, certamente, concorrer para a subida da classificação de Moçambique no mercado financeiro internacional, conduzindo a maiores volumes de IDE, de investimento doméstico e de apoio externo, e promover um maior crescimento da economia.
Por fim, o sector privado também tem um papel fundamental a desempenharogar nesta nova etapa que está a iniciar. A constante capacitação do sector e a adopção das melhores prácticas de governação empresarial e dos padrões internacionais de relato financeiro (IFRS) são apenas alguns dos aspectos que podem ajudar as nossas empresas a estarem mais bem posicionadas para participar no desenvolvimento e exploração dos mega projectos de gás natural.