Não há melhor do que uma consultora de negócios para falar com legitimidade sobre os segredos de um bom investimento. A EY fê-lo através do seu Partner Advisory, Bruno Dias, que vê, sem surpresa, a cadeia do gás como o principal ‘gancho’ dos futuros investimentos.
Sobre os obstáculos a fazer negócios no País, não há grandes novidades, eles são sobejamente conhecidos de todos. Mas quanto às formas de os ultrapassar e às áreas que vão dominar o panorama económico e, especialmente, fazer crescer novos negócios a partir de 2022, há dados que interessa explorar. Bruno Dias, Partner Advisory da EY, uma das ‘big five’ do mundo da consultoria, aborda à E&M as áreas-chave onde há potencial real de crescimento.
Quando uma entidade, individual ou institucional, que pretende investir num determinado negócio e ter sucesso, olhar para o panorama geral de Moçambique ao nível macroeconómico, para a estrutura produtiva e outros aspectos de mercado – como identificar potenciais interessados para os seus produtos ou serviços -, o que é que vê na sua frente? Mais dificuldades do que oportunidades ou vice-versa? E em que áreas estão as oportunidades?
O panorama dos últimos anos não foi animador, especialmente tendo em conta as expectativas criadas. Sabemos que houve um ano de recessão económica que não estava previsto. Mas, olhando para o futuro, há várias coisas que me surpreendem em Moçambique.
Para já, há uma camada empreendedora que não vejo noutros países africanos, ao nível das Micro, Pequenas e Médias Empresas, além de iniciativas interessantes como o Programa Emprega, recentemente lançado pelo Governo, e que visa captar e financiar pequenos empreendedores. Ao nível do tecido das empresas de pequena dimensão há muita vontade de fazer coisas diferentes e crescer. Relativamente aos grandes investimentos, os últimos anos foram atípicos, mas, porque sou optimista, acredito que as coisas vão novamente entrar nos eixos.
Quanto aos sectores promissores que temos visto, o destaque vai para os que estão à volta da cadeia de valor do gás, nomeadamente Transporte e Logística, onde vai, de certeza, haver muito investimento independentemente de ser rodoviário, ferroviário ou fluvial, incluindo investimentos ao nível dos portos. E já há movimentações de empresas internacionais para investimentos nessa área. Outro sector interessante é o da Energia.
Além do mega-projecto de Mpanda Nkuwa e dos mega-investimentos do gás, tem havido investimentos importantes ao nível das centrais de energias renováveis, nomeadamente solares.
Na matriz dos negócios da actualidade e do futuro está também o das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), que incluem as Startups, de onde algumas empresas aparecem com iniciativas de negócio interessantes.
Quanto aos sectores promissores que temos visto, o destaque vai para os que estão à volta da cadeia de valor do gás, nomeadamente Transporte e Logística, onde vai, de certeza, haver muito investimento independentemente de ser rodoviário, ferroviário ou fluvial, incluindo investimentos ao nível dos portos.
O mundo está em constante mudança e as formas de fazer negócios vão sofrendo alterações muito rápidas, acompanhando a evolução tecnológica. Num país com muitas carências de ordem financeira e de disciplina empresarial, será ou não justo aferir que há, neste aspecto, barreiras para investir num negócio competitivo?
Há aqui um paradigma engraçado, mas que eu vejo com total tranquilidade. Por exemplo, quando começou o covid-19, confesso que me assustei porque ficámos todos em casa e não sabia como íamos conseguir trabalhar. Mas, felizmente, tudo correu bem. Na nossa empresa, particularmente, conseguimos que as pessoas tivessem meios para fazer o trabalho remoto. Mas como muitas outras não tinham as mesmas condições, na altura assustou-me muito. Contudo, como disse, acabou por correr muito melhor do que aquilo que todos estávamos à espera. Ou seja, quando as pessoas são postas à prova sabem dar a volta às adversidades. E, em África, incluindo em Moçambique, há coisas de cariz tecnológico muito mais desenvolvidas do que noutras partes do mundo. Exemplo disso são o M-pesa e os sistemas de pagamento móveis, que estão muito mais desenvolvidos do que no mercado europeu.
Além disso, os currículos académicos dos jovens que saem das universidades, como os que estão a ser formados pela EY, se calhar não são como os europeus, mas estão a trabalhar em produtos de clientes de primeira linha em Angola, Portugal e noutros países europeus, integrados em equipas multidisciplinares. Portanto, é possível correr em paralelo com a velocidade da tecnologia e o mercado está a prová-lo.
Enquanto consultora com muita experiência no mercado nacional, como é que a EY vê as soluções para instalar negócios bem-sucedidos num país com estrutura produtiva fraca, com quase tudo em falta, incluindo mão-de-obra qualificada, passando pela dificuldade de acesso aos canais de financiamento? Como se resolvem estes problemas?
Moçambique faz muito bem uma coisa, que é captar financiamentos multilaterais e há vários programas desse âmbito a financiarem a classe empresarial, o que é, por si, muito importante. Depois, acredito que tudo o que for Conteúdo Local nos grandes programas de gás também vai ser importante nas indústrias transformadoras.
Isto diz-nos que vai haver a necessidade de capacitar os moçambicanos em vários domínios, não só das TIC, mas que também tem de se dar profundidade à formação em vários tipos de job roles, que são de nicho actualmente, e a questão da Lei de Conteúdo Local é muito importante por ser uma forma de financiar o crescimento da economia.
Quando as pessoas são postas à prova sabem dar a volta às adversidades. E, em África, incluindo em Moçambique, há coisas de cariz tecnológico muito mais desenvolvidas do que noutras partes do mundo.
Como instalar um negócio lucrativo? Quais são os principais ingredientes que a EY aconselharia às empresas de uma economia como a de Moçambique?
O primeiro ingrediente é ter uma linha de liderança e de chefia preparada, que saiba o que é gerir uma empresa e que tenha uma visão de médio a longo prazo. Tenho a percepção de que é isso que por vezes falha aqui em Moçambique. Olha-se muito para o curto prazo e as pessoas não estão preparadas para gerir um negócio. Em segundo lugar, ter uma empresa bem estruturada e organizada nos procedimentos, nas certificações, na transparência e com alguma dimensão que seja auditável é muito importante, porque isso dá credibilidade à empresa. Por fim, o segredo está no capital humano, isto é, recrutar pessoas com as competências apropriadas para a actividade que se pretende desenvolver. Estes ingredientes vão, seguramente, compor uma boa empresa.
Sente que existe consciência da necessidade de busca destes ingredientes por parte dos empresários moçambicanos, grosso modo?
A maioria dos empresários moçambicanos ainda não estão preparados porque têm empreendimentos muito tradicionais, por vezes até familiares com foco no curto prazo, e não têm os processos montados. Mas já há alguns exemplos que começam a aparecer que contrariam esta tendência.
Com liderança visionária, na sua maioria jovens que constroem um plano de negócios no princípio da operação, vão buscar financiamento estruturado com esse plano de negócios, recrutam mão-de-obra, não em quantidade mas em qualidade, e estão preocupados pela forma como vão estruturar as suas empresas. Então, eu acho que é um caminho que se está a fazer paulatinamente.
Nota-se, nos últimos anos, uma corrida dos jovens para investirem em negócios considerados controversos e até desaconselhados por alguns especialistas por serem considerados perigosos para o equilíbrio do mercado monetário. Refiro-me a investimentos financeiros conhecidos como Forex ou as criptomoedas, entre outros.
Qual é a percepção da EY a este respeito?
É um fenómeno recente e creio que, como em qualquer investimento financeiro, os investidores desta área tinham de ter formação e conhecimento dos produtos que, como se sabe, são muito complexos e arriscados. Mas é preciso admitir que são produtos que vieram para ficar, num ambiente em que, infelizmente, há uma grande falta de regulação nesses domínios. Mas estes investimentos existem e vão aparecer mais tal como as blockchains, etc. Mas não é aconselhável investir em produtos que não se conhecem. O investidor deve-se informar e perceber como funciona antes de investir em criptomoedas.
Em Moçambique, a EY já teve alguma experiência de lidar com investimentos deste tipo?
Não. Em Moçambique não temos experiência de trabalho nesses domínios. Fora, sim, mas não é uma área em que eu esteja particularmente à vontade para abordar. O certo é que investimentos a este nível são uma realidade por toda a parte.
Pelo mundo, e principalmente em África, tomando como base a experiência e o conhecimento dos mercados pela EY, quais são os tipos de investimento que considera replicáveis em Moçambique pela sua lucratividade e capacidade de gerar um boom na empregabilidade, disciplina empresarial e desenvolvimento?
Acredito que todos os temas que têm que ver com o comércio electrónico podem ser muito práticos para Moçambique, sobretudo nos tempos pós-pandemia do covid-19 em que todos nós tivemos de recorrer a ambientes de trabalho remoto.
Como disse no princípio, os sectores que vão crescer mais são os de Transportes e Logística, alguns subsectores de Energia, como as renováveis, etc.. Depois, tudo terá que ver com a digitalização dos negócios tradicionais, lembrado que em Moçambique há aceleradores desta tendência como os concursos de empresariado, como o exemplo do que foi lançado recentemente pelo Standard Bank, sem falar no Projecto Emprega, a que já me referi anteriormente.
Se a EY tomasse decisões sobre o que tem de mudar estruturalmente no sentido de abrir espaço a favor dos investimentos que considera transformadores, que obstáculos elegeria para remover?
O acesso ao financiamento é o primeiro e isso resolve-se pelos programas transversais das multilaterais, criar planos de negócio que atraiam mais financiamentos. Mas o financiamento directo pela banca em Moçambique tem juros muito altos e esse é um problema complicado.
Também é um grande problema ter acesso a pessoas formadas com qualidade. Por isso, Moçambique ainda tem muito trabalho a fazer na Educação, que é o pilar de qualquer economia.
Mas a EY tem tido surpresas muito boas na sua experiência interna com a sua equipa, o que já é sinal de que as coisas estão muito melhores do que há uns anos.
Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva para a E&M