O Maurício Alicate nunca saiu da zona Centro de Moçambique. Nasceu e sempre viveu na foz do rio Sangussi. É um pescador humilde que vive com a sua família numa pequena vila costeira muito afastada das cidades.
Ele é dono de um barco de pesca e dono de um sorriso que rivaliza as melhores clínicas de branqueamento e estética dentária do chamado primeiro mundo. Dentes perfeitos e saudáveis sem nunca ter ido a um dentista sequer. Isto deve-se sobretudo graças aos seus hábitos.
Ele usa a mulala. Um método tradicional para lavar os dentes. A mulala é um pequeno ramo de uma planta que, depois de desfiada na ponta, se esfrega nos dentes.
Esse é um dos hábitos do Maurício e da família Alicate que nunca teve de arrancar um dente na vida.
Em outros lugares mais remotos de Moçambique, ainda se lavam os dentes com restos da cinza do carvão da fogueira misturadas com água e usando o próprio dedo para esfregar a boca. Restos de carvão no fundo. Enquanto na Europa se revelam recentemente descobertas incríveis e “inovadoras”, como a pasta de carvão que promete deixar os dentes mais brancos.
Mas lavar os dentes com carvão são hábitos que datam de há milhares de anos.
Nos séculos anteriores, os Europeus lavavam os dentes com pedaços de pano, trapos ou esponjas, enroladas em sal com água ou conhaque. Há cerca de 3000 anos, mastigava-se uma planta de cor roxa para combater as cáries, o mau hálito e promover a higiene oral. Os hábitos são a essência do marketing.
Poucas pessoas sabem que foi apenas há cerca de um século que se criou o hábito de lavar os dentes tal como o conhecemos. Com uma pasta dentífrica e uma escova.
Esse hábito foi criado por uma marca: A Pepsodent.
Não foi um produto novo que foi lançado. Foi um novo hábito que foi criado.
Uma ideia lançada pelo publicitário Claude Hopkins. A campanha tinha o título The Pepsodent Smile. O sorriso Pepsodent que é conhecida até hoje no mundo do marketing. Nos cartazes apareciam pessoas bonitas e com dentes perfeitos e brilhantes e a sugestão de lavar os dentes todos os dias.
A ignição emocional foi a vaidade. Uma marca que prometia um sorriso mais bonito.
O que foi criado foi mais do que um produto. Foi criada uma ansiedade pela beleza e higiene oral que não existia antes.
Por volta de 1920, metade da população dos Estados Unidos já tinha esse hábito na sua rotina diária. Depois foi só fazer a globalização do hábito. Logo a seguir, a Pepsodent já era vendida no Brasil, na Europa e, em 1930, até na China.
A pasta não chegava só a todos os cantos da boca. Chegou a todos os cantos do mundo.
O ponto aqui é que não foi criado um produto. Foi criado um hábito. E é essa a essência do marketing. Criar hábitos. Mais do que criar produtos ou ideias.
Pense bem e vai ver como todos os produtos de sucesso que escolhemos, compramos e consumimos passam a ser mais do que uma necessidade. São um hábito a que nos acostumamos. Passam a ser parte da nossa vida.
A forma como nos comunicamos hoje. Pelo celular. As apps que usamos. A forma como pagamos as nossas contas, que antes era com dinheiro físico. Agora já nos habituámos a transferir dinheiro de uma forma digital pelo mobile.
Nós não consumimos produtos. Consumimos hábitos. Quando um produto ou serviço se tornam um hábito ele passa a ser parte da nossa vida.
Agora faça uma reflexão. Os hábitos habitam o nosso dia-a-dia. Alguns são mais saudáveis e outros menos.
Depois de a Pepsodent ter criado a pasta de dentes, outras empresas criaram marcas que todos conhecemos e disputaram a fatia de mercado. No fundo, deram dentadas no mercado criado pela Pepsodent. Mas isso é uma guerra diferente. É a das marcas.
Os líderes no marketing sempre serão as empresas e marcas que forem pioneiras. As que ousarem. As que conseguem ser inovadoras ao ponto de criar um novo hábito.
As outras marcas, as seguidoras, habituam-se a seguir e lutar por ter uma fatia de mercado de um hábito que foi criado pela marca líder.
Quando se cria um produto, estamos a tentar que esse produto se transforme num hábito. É só pensar na nossa rotina diária para vermos que tudo o que fazemos é por força de hábitos que criamos ao longo da vida.
E enquanto muitos historiadores questionam a real necessidade de existirem muitos produtos como a pasta dentífrica, outros justificam a sua necessidade pelo crescimento exponencial da humanidade, e o consumo de alimentos menos saudáveis, comidas processadas, as fast-foods com demasiado açúcar. Tudo o que não existia nos séculos anteriores.
A exportação dos hábitos
A essência da globalização foi e é a exportação de hábitos. A criação de necessidades que antes não existiam.
Para um hábito se disseminar, precisa de um portador. Como no caso de um vírus.
No caso dos hábitos de consumo, o host é a media. Os filmes, por exemplo.
Por volta de 1950, a indústria de Hollywood exportava o hábito de fumar através das suas maiores estrelas do cinema que apareciam sempre com um cigarro na tela. Todos aspiravam esse hábito e queriam ser assim. E, por isso, a essência do hábito é a ansiedade.
O gatilho racional ou emocional que nos leva a querer fazer, ter ou consumir qualquer coisa.
Hábitos tornam-se rotinas.
Os hábitos duram muito mais tempo que os próprios produtos ou marcas. É díficil mudar um hábito.
As pessoas que tentam abandonar o cigarro não abandonam o hábito. Compram um vaporizador. Mudam de produto, mas continuam com o hábito. Nós próprios habituamo-nos aos nossos hábitos e tornamo-nos um hábito de nós mesmos.
Hoje com a pandemia Covid-19 já a caminho do seu terceiro ano, com novas variantes a surgir, o mundo continua de máscara a tapar a boca e os dentes. Mas o hábito da máscara continua.
Quanto tempo esse hábito vai permanecer ninguém pode estimar. Porque hábitos são também decisões que tomamos.
Na verdade, com o teletrabalho o mundo está a criar novos hábitos e tem mais tempo para os hábitos mais antigos. Lava-se mais vezes os dentes estando em casa porque temos mais tempo.
Por isso quando comprar e estiver a consumir um produto, lembre-se que está a consumir um hábito e, dependendo de qual for, esse hábito irá consumi-lo a si também.
Então escolha os melhores hábitos. E habitue-se a essa ideia. Porque essa é a maior essência do marketing.