Imagine que acorda um dia e todas as ATM, POS, bancos, balcões, agentes bancários, dinheiro móvel e operadores de carteiras móveis desapareceram magicamente.
Como passará um dia neste cenário? Parece uma cena de um filme de ficção científica, não é? Não, na verdade, esta é a realidade que 45,5% da população adulta moçambicana (16+) vive no dia-a-dia, sem acesso aos serviços financeiros que a maioria de nós, que vivemos em áreas urbanas, tomamos como garantidos.
De acordo com o FinScope Consumer Survey 2019, apenas 54,5% do total de adultos (16+ anos) da população de Moçambique tem acesso
a alguma forma de serviço financeiro, seja através de operadores bancários ou carteiras móveis, seja através de outra forma de organização financeira ou não-bancária.
Isto representa uma grande questão: como é que podemos preencher esta enorme lacuna, e qual é o papel dos decisores políticos, reguladores, bancos, operadores de carteiras móveis e outras organizações não-governamentais, no sentido de aumentar os índices de acesso aos serviços financeiros.
Antes de prosseguirmos para a solução, vamos identificar o problema e depois comparar com outras partes do mundo ou outras partes de África, procurando perceber como abordaram a questão.
Como dissemos anteriormente, apenas 54,5% da população total com recursos financeiros tem acesso a serviços financeiros, tais como, uma conta bancária, ou tem capacidade de poupar o seu dinheiro arduamente ganho, ou consegue obter um empréstimo para fazer negócios ou melhorar a sua vida. E neste sentido, a pergunta óbvia é se esses 54,5% podem obter estas facilidades e, sendo as mesmas, em grande parte, oferecidas pelo sector privado, por que razão não podemos replicar este modelo em todo o Mundo ou para o resto da população?
O problema é que a forma actual de prestação de um serviço financeiro depende de cinco aspectos:
1. Um balcão ou um local físico para atender o cliente;
2. Habilidade do banco para identificar um cliente (também conhecido como “Conheça o seu cliente” ou KYC);
3. Oferta de uma ferramenta de pagamento, como um cartão, uma conta de banco móvel ou uma carteira
móvel;
4. Internet ou cobertura de telecomunicações. Por último, e o mais importante, e aquele que impacta o
progresso é:
5. Gestão de dinheiro físico.
E, na maior parte de Moçambique, podemos dizer com grande certeza que o dinheiro físico é o Rei. Embora a transformação digital tenha ajudado a resolver a maior parte do problema, ela funciona apenas onde temos os cinco aspectos acima descritos.
Mas este não é o caso de 63% da população adulta que vive nas zonas rurais de Moçambique, onde um documento de identificação adequado para efeitos de KYC é difícil de obter. Embora as operadoras de carteiras móveis tenham tentado adoptar em Moçambique a fórmula que funcionou bem em outras partes de África, elas também foram confrontadas com o problema de gestão do dinheiro físico.
Claro que resolver os quatro primeiros aspectos pode ajudar a aumentar o nível de inclusão financeira, mas é a gestão do dinheiro físico que pode aumentar a taxa de inclusão financeira exponencialmente, e isto é o mais difícil de resolver. Mas não é impossível.
Embora os decisores políticos, reguladores e operadoras de carteiras móveis tenham seu papel nesta iniciativa, aqui vamos concentrar-nos no papel dos bancos para aumentar e melhorar a inclusão financeira.
Tradicionalmente, quando um banco deseja prestar serviços financeiros a um grupo de pessoas numa determinada região, procura, em primeiro lugar, abrir uma agência, instalar uma ATM, abrir uma conta corrente ou de poupança, utilizando documentos de identidade válidos, construir um histórico de crédito e, em seguida, conceder empréstimos com base no histórico bancário ou com base em garantias.
Embora este método possa funcionar em áreas urbanas, não é tão fácil executá-lo numa área rural. Mas a transformação digital está a mudar rapidamente a forma como os bancos conduzem os negócios, levando-os a procurar estabelecer parcerias com FinTechs e redes de agentes bancários para oferecer os seus produtos e serviços.
Os bancos começaram a repensar a sua rede de distribuição e começaram a testar vários modelos, inclusive em Moçambique. Embora estas experiências-piloto, supervisionadas por bancos e reguladores, estejam a acontecer em regiões isoladas, as mesmas ensinaram uma grande lição aos bancos até que resolvamos o problema de gestão do dinheiro físico: não seremos capazes de atingir a meta de inclusão financeira a um custo sustentável e com a margem de lucro adequada que realmente se deseja alcançar.
Um exemplo disso pode ser visto no Reino Unido, onde seis bancos concorrentes decidiram compartilhar o espaço de balcão operado pelos Correios (com base num artigo no Financial Times de 23 de Agosto). Embora possa parecer um conceito muito estranho para os bancos moçambicanos, esta pode ser uma das chaves para desbloquear o problema da gestão de dinheiro físico. Imagine que o custo de seis agências seja reduzido a um balcão compartilhado, o que pode ajudar, ainda mais, a introduzir ATM nas áreas rurais; mais locais dessa natureza significam mais capacidade de gestão do dinheiro físico e, portanto, aumento da inclusão financeira.
Outra forma de os bancos contribuírem para o aumento da inclusão financeira é recorrendo a API de Banca Aberta (Open Banking API). Enquanto as parcerias com as FINTECH e as MMO estão a acontecer de forma isolada e a usar cláusulas de exclusividade, a expansão das mesmas, usando uma API de Banca Aberta ou outros padrões de interoperabilidade, certificará uma única Fintech ou MMO para ser capaz de integrar simultaneamente vários bancos dispostos a tal, usando os mesmos padrões, proporcionando acessibilidade financeira às áreas rurais e oferecendo opções para a população adulta urbana.
Já imaginou ter que fazer login em apenas um aplicativo para gerir todas as suas contas bancárias e carteiras móveis?
Uma rede de agentes bancários, em parceria com bancos, pode também ajudar a reduzir a presença de agências e a auxiliar na criação de pontos de recolha de dinheiro, usando o seu mecanismo existente de gestão de dinheiro físico. Fazendo isso, estas redes podem também aumentar o tráfego de clientes, podem beneficiar-se financeiramente da oferta de serviços bancários na sua rede e ganhar comissões pelos seus serviços.
Isto já é observado em alguns bancos em Moçambique, mas sem a opção de interoperabilidade, obrigando os agentes a ter vários sistemas em funcionamento para serem parceiros de mais de um banco ou organização financeira. Portanto, a combinação de API de Banca Aberta (Open Banking API) ou Banca com o Serviço (BaaS), juntamente com a plataforma de rede não-exclusiva de agentes bancários, pode ser a chave mais importante de todas para desbloquear o potencial desta solução.
Embora possa haver mais ideias sobre como os bancos podem contribuir para melhorar a inclusão financeira, também é importante compreender as restrições e limitações actuais, em termos de leis/regulação, que não foram elaboradas com a inclusão financeira em mente. Mas a boa notícia é que há consciência sobre essas restrições, e os reguladores e e decisores políticos estão a trabalhar em conjunto com organismos terceiros e associações bancárias para melhorar a regulação e promover a interoperabilidade e a inclusão financeira.
Estamos numa fase em que as rodas da mudança começaram a mover-se a um ritmo exponencial, para que, num futuro próximo, possamos concretizar o sonho da inclusão financeira.