Muitos jovens que optam por frequentar escolas de negócio em Moçambique têm ideias de negócio que não estão necessariamente ligadas ao sector das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Grosso modo, concentram-se na área do comércio.
Uma rápida pesquisa da E&M em apenas duas escolas de negócio da cidade de Maputo permitiu concluir que parte considerável dos candidatos a empreendedores estão em busca de certificados que lhes permite agregar valências aos currículos, ingrediente importante na busca por vagas de emprego.
Até aqui, é consensual a grande utilidade das escolas de negócio. Mas quando se fala em startups, a situação muda por completo e não apenas cá em Moçambique. Por exemplo, a pesquisa que citámos no artigo anterior, da autoria da canadiana Fax Inc., conclui que “uma escola de negócios o ajudará a administrar uma empresa estabelecida, mas não pode fornecer a experiência do mundo real necessária para administrar uma startup”.
E isto confirma-se no terreno. Ou, pelo menos, é o que consideram os novos gestores moçambicanos de startups. Desde o início de actividade, os investidores na área das TIC não apresentam histórico de preocupação em buscar conhecimentos académicos de gestão e/ ou negócios nas academias, mas, segundo eles, conseguem alcançar o sucesso.
Criatividade, a peça determinante do sucesso
Sazia Sousa, fundadora e directora-geral da Tecnoplus, empresa que opera no ramo de Tecnologias de Informação desde 2010, com 30 funcionários, e que apoia as empresas a acompanharem os avanços tecnológicos simplificando os seus processos com soluções integradas de hardware e software, é formada em engenharia informática.
A empreendedora conta que nunca tinha equacionado tornar-se gestora de uma empresa e foi inspirada pelo desemprego a desenvolver o seu
próprio negócio, já que nunca se sentiu confortável com as oportunidades de trabalho que lhe eram oferecidas pelo mercado. Começou por trabalhar como freelancer prestando serviços técnicos que resolviam os problemas das empresas. Nessa interacção, segundo a empreendedora, surgiu uma oportunidade que terá sido impulsionada pela exigência de padrões formais de fazer negócios.
“As empresas começaram a exigir facturas e não tive escolha que não fosse constituir uma empresa. Foi assim que me tornei empreendedora”, conta a gestora. Mesmo reconhecendo a importância de uma escola de negócios para quem sonha em criar um empreendimento bem-sucedido, Sazia Sousa considera-se autodidacta. “Aprendo fazendo e acredito que todos os jovens, hoje, aprendem fazendo. Nós recrutamos muitos jovens, uns experientes e outros não, mas pela natureza da nossa área, que é a de Tecnologias de Informação e Comunicação, estamos sempre a aprender.
Por isso mesmo os experientes, quando entram para a Technoplus, têm de aprender. É muito importante, nesta área, que as pessoas sejam autodidactas”, sublinhou.
Percurso similar tem Karson Adam, fundador da Hypertec, empresa da área das Tecnologias de Informação e Comunicação, criada em 2016, actualmente com dez funcionários e que, entre outras valências, cria soluções de computação em nuvem para o uso das empresas.
Karson relata que terá sido o interesse por criar páginas de internet que o levou a pesquisar muito sobre a área, e rapidamente ficou conhecido como alguém que sabe lidar com ferramentas de internet. Logo começou a ser procurado para prestar serviços às empresas e teve de buscar conhecimentos em artigos publicados na internet sobre como criar páginas para as empresas.
Nessa interacção, o jovem empreendedor percebeu que os seus clientes tinham necessidades específicas, e que dificilmente conseguia dar suporte. Para suprir este gap, teve de aprender, por si próprio, como poderia melhorar a capacidade de resposta à demanda das empresas que eram suas clientes.
Esta é também a história de Claude Marcello Champier, jovem fundador da Champier Lda., empresa fundada em 2014, vocacionada para a criação de soluções tecnológicas para mercados emergentes e hoje com 15 colaboradores. “Sempre sonhei em inovar e fui muito curioso. Desde pequeno tive a sorte de os meus pais incentivarem essa criatividade”, revela o empreendedor.
Claude Champier confessa que “em vários momentos precisamos ou sentimos a necessidade de aprendermos algo e imaginamos que a solução está numa escola de negócios. Mas sempre tentei aprender com os meus erros e, feliz ou infelizmente, comecei a trabalhar muito cedo (aos 15 anos) e isso permitiu que fosse aprendendo na prática. Houve vários momentos de queda, mas a lição de cada momento foi valiosa para poder levantar-me”, conta.
Apesar de nunca ter frequentado uma escola de gestão ou de negócios, a Champier Lda. é uma das startups moçambicanas mais premiadas dentro e fora do País.
Academia sem utilidade?
Ao contrário da Sazia Sousa e de Claude Champier, Karson até chegou a frequentar uma academia de formação em gestão num instituto técnico e lá constatou que “a forma como são projectadas as aulas está ultrapassada.
Se calhar tinha melhor aplicação no passado, em que as coisas não evoluíam muito rápido. Mas, agora, coisas que se estudam hoje podem não valer mais amanhã… daí ser preciso ser flexível na busca de novos conhecimentos que vão além da sua área de domínio. Eu, por exemplo, estou na área da programação em informática, mas ao mesmo tempo tenho de entender sobre marketing digital e outras questões de negócios, o que não é possível fazer em apenas um curso, como acontece nas escolas”, repisou.
Sazia Sousa, que também admite que uma escola de negócios é de relevância que não se pode negar, rebate: “o problema está na forma de ensinar, que não é muito compatível com aquilo que somos ou fazemos hoje em dia na área em que estamos”, sugere a empresária, referindo-se ao desfasamento que há entre a teoria dos manuais das escolas e o que os empreendedores encontram na realidade.
“A pessoa só consegue encarar a realidade do profissional que quer ser quando estiver no exercício de entender o problema do outro para resolvê-lo no campo do desenvolvimento de software, o que não se aprende numa escola de negócios”, salientou. Por seu turno, o empresário Claude Champier também entende que, “infelizmente, ainda somos muito teóricos nas escolas, e vejo várias pessoas a dar formação em algo que só viram na teoria, e isso pode complicar muito o processo de ensino e aprendizagem, por isso, sugere uma conciliação mais estreita entre a teoria e a prática.
Lá fora, há muito que esta questão vem sendo levantada. O empreendedor e especialista brasileiro Rafael Pôncio escreveu, há dois anos, uma reflexão em que diz que “nos cursos de empreendedorismo no Brasil não é ensinado tudo o que você precisa de saber sobre como iniciar e administrar um negócio de sucesso. Eu aprendi isso da pior maneira!”. O empreendedor revela ainda que “acabei aprendendo muito mais sobre negócios sendo um empreendedor por quatro meses, do que numa sala de aula durante quatro anos, isto sem desmerecer o necessário aprendizado em sala de aula, é claro”.
Pôncio junta-se a João Cristofolini, empreendedor nas áreas de educação, tecnologia, saúde, etc., e autor do livro “O que a escola não nos ensina”. Baseando-se na sua própria experiência, Cristofolini escreveu, há seis anos, uma reflexão em que revela que “o fracasso (e não a escola) ensina sobre empreendedorismo e negócios”.
Academias não concordam
Em muitos aspectos, ideias das academias e dos empreendedores andam desencontradas. As academias dizem-se preparadas para assistir as startups em matéria de negócios e apontam outras razões para o que chamam de falta de interesse destas para com a aprendizagem. Admitindo que a geração dos investidores em startups é mais ousada e até inteligente, Michael Miranda, da escola Above, diz que esta falta de interesse resulta do facto de que “existe um mercado dedicado a dar a falsa impressão de que estes jovens podem alcançar a riqueza em pouco tempo. Sem muito esforço.
Existem ideias que vêm sendo incutidas no sentido de que um ou dois anos são suficientes para chegar à prosperidade através de startups. Mas também há um mercado que ganha muito dinheiro com isso, porque vende cursos que prometem essa glória”. Segundo o especialista Michael Miranda, compete aos jovens empreendedores convencerem-se de que o conhecimento será, sempre, a ferramenta essencial para o seu sucesso. Uma pesquisa profunda sobre o percurso das empresas que os inspire pode ajudar neste caminho, porque lá perceberão que o sucesso está sempre relacionado com a formação e boas práticas.
A Above diz ainda ter experiência na formação, em negócios, de startups de sucesso, mas tem outras que fracassaram. A diferença é que “o fundador tem de ter a humildade de entender que o conhecimento vem antes do sucesso”, aconselhou o especialista, cuja opinião, a este respeito, é completamente similar à do consultor Agostinho Magenge. Ambos, no entanto, consideram que o sucesso empresarial sem suporte na formação até é possível, mas chegará a um determinado nível em que este empresário não vai conseguir andar sem precisar de alguém para o aconselhar. Ou seja, a ser verdade que as escolas não dão tudo para enfrentar o futuro, ter uma base para enfrentá-lo vai permitir que os empresários estejam prontos para qualquer coisa que venha a acontecer.
Então, de que tipo de academia precisam as startups?
De acordo com Karson Adam, “é preciso que as escolas estejam atentas e saibam exactamente o que é que os mercados estão a utilizar na actualidade”, porque as empresas não só competem ao nível local, como o fazem com outras empresas do mundo (já que é fácil actuar em qualquer parte do mundo sem ser necessária a presença física).
Concretamente, seriam as escolas de negócio a desenvolverem produtos que ajudem a começar um negócio (e não a integrar-se em negócios já estabelecidos) e buscarem ferramentas para leccionar marketing digital para acompanharem o ambiente digital em constante evolução.
Na ideia de que as academias deviam estar mais alinhadas com as novas tecnologias, Sazia Sousa é de opinião que os debates da actualidade ao nível das escolas de negócio deviam ser, por exemplo, sobre “como é que a tecnologia será daqui a 20 anos para se anteciparem e se prepararem para as mudanças que vão acontecendo e não discutir coisas que passaram”.
Por isso, considera que “em Moçambique não há escolas de gestão à altura das exigências da sua área de actuação e é mais fácil buscar soluções online de universidades de fora, que usam abordagens recentes, como metodologias ágeis ou a gestão que utiliza a inteligência artificial, análise de dados, etc”. Para uma melhor prestação das escolas de negócio na área das startups, “todas as escolas deviam ter uma incubadora de negócios para receber estudantes que querem implementar as suas soluções e apoiarem esses estudantes estudantes a lançarem os seus produtos para o mercado”, sugeriu.
E quando o problema não está na academia?
Entretanto, nem sempre os aspectos maus no domínio da gestão de negócios têm de ser atribuídos ao acesso ou ineficácia das instituições académicas. Sazia Souza confessa que foi desafiante ter-se tornado gestora da noite para o dia, sem conhecimentos sólidos sobre como conduzir uma empresa.
“A gestão é um desafio que todos os jovens que investem em startups devem sentir. Numa empresa, fazer as coisas sob um olhar meramente técnico, muitas vezes não é sustentável porque quem tem um olhar técnico também tem tendência a resolver problemas de ordem técnica antes de negociar ou de pensar em custos administrativos, em impostos, e noutros aspectos inerentes ao negócio, como a própria estrutura de gestão por que está por detrás”, explicou a empreendedora.
Com esta visão, a empreendedora estaria a confirmar a explicação que havia sido dada por Michael Miranda, director-executivo da Above, quando falava da importância de uma escola de negócios. Avançando o exemplo de profissionais como os designers, serralheiros ou carpinteiros, referiu que quando estes técnicos se tornam empreendedores continuam com tendência a manter-se excessivamente focados na execução do trabalho técnico, movidos pela paixão pelo ofício, e perdem a visão empresarial que devem exercer sobre a empresa em si.
O resultado disso é que dificilmente progridem, enquanto não procurarem a formação que lhes dê outra forma de estar no trabalho enquanto empreendedores.
Na Technoplus, esta barreira acabou por ser ultrapassada com a adopção gradual de procedimentos indispensáveis para estruturar a empresa, nomeadamente a contabilidade organizada, que exigia melhor gestão. E isso foi conseguido graças à contratação de um profissional de contabilidade. A seguir, a empresa adoptou a certificação de qualidade ISO 9001.
“Os processos e sistemas de gestão foram estrategicamente utilizados para forçar os mecanismos de uma melhor gestão da empresa porque o mindset (mentalidade) da fundadora é técnico”, esclareceu Sazia Souza.
Texto Celso Chambisso