O que é que se ensina numa business school e de que forma pode ou não acrescentar mais-valias num empreendimento? Duas realidades tornam oportuna, nos dias que correm, a discussão sobre a relevância das escolas de formação em gestão ou em negócios em Moçambique. Uma será o facto de se defender o empreendedorismo como um dos caminhos mais eficientes de acelerar o crescimento e o desenvolvimento – o que, de certa forma, faz crescer substancialmente o número de instituições voltadas para a formação em negócios – e a outra é a percepção, quase generalizada na sociedade moçambicana, de que, para empreender, não será mais do que apenas dispor de uma oportunidade de obter finanças e ousar assumir o risco de as aplicar num projecto que seja rentável e esperar pelos resultados. Ou seja, simplesmente embarcar naquilo a que a sociedade dá o nome de “bolada”, que significa qualquer coisa como negócio informal isento de regras e de burocracias. E é aqui onde parece que a maioria dos empreendimentos nacionais são constituídos.
A propósito, estimativas apresentadas por Agostinho Magenge, director-executivo da MD Consultores, empresa vocacionada para a consultoria em diversas áreas, incluindo a de negócios, calcula em menos de 10% os empresários que passam pelas escolas de negócio. “Acredito que a maior parte das empresas, até do nível das afiliadas à Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) não têm negócios totalmente estruturados… aos empresários falta a formação sobre como gerir um negócio”, constatou.
Na mesma linha, Michael Miranda, director-executivo da Above, uma escola de formação em gestão de negócios que opera no mercado desde 2014, diz ser surpreendente o quão as empresas, aparentemente grandes, têm dificuldades muito básicas. “O mercado tem uma imagem distorcida das empreses que se apresentam com um status respeitável, mas cuja realidade organizacional, dentro delas, não corresponde ao que se vê por fora.
Temos a falsa impressão de que todas as grandes empresas têm domínio do conhecimento em negócios, mas basta olharmos para as falências e dificuldades financeiras de algumas delas para entendermos que não é bem assim”, explicou. Também não há, em Moçambique, informação sistematizada sobre a quantidade de instituições de formação em negócios, mas uma breve visita aos sites de internet pode levar à fácil descoberta de, pelo menos, dez escolas, parte delas ligadas a universidades públicas e privadas.
Ao mesmo tempo, falta definir claramente o grau dos formandos das diferentes instituições. “Por enquanto, os técnicos de curta ou média duração, assim como os funcionários que buscam formação em negócios, procuram a certificação de que eles têm conhecimento naquela habilidade específica como, por exemplo, na negociação ou nas vendas”, explicou Michael Miranda, director-executivo da Above, escola que é regida pela Autoridade Nacional de Educação Profissional (ANEP).

O sucesso depende, mesmo, da academia?
A divergência de opiniões entre especialistas sobre se as escolas de negócio são ou não determinantes para o sucesso dos empreendimentos não acontece apenas em Moçambique, já que, desde o século passado se assiste ao sucesso de muitos empresários, muitas vezes sem qualquer formação, mas dotados de “instintos” de iniciativa e liderança. Talvez seja por isso que, em Moçambique, os empresários se preocupam com o que gostariam de aprender sobre negócios e que acreditam que não encontrarão na academia, embora do lado posto estejam os que defendem ser “absolutamente necessário” frequentar uma escola de negócios, na sua maioria, as próprias instituições de formação.
Pedro Cruz, CEO do Instituto Superior de Gestão (ISG), é uma destas vozes. Segundo o responsável, as decisões de outrora, puramente por “instinto” e sem ferramentas ou competências de gestão, têm cada vez menos hipóteses de sucesso. O empresário de sucesso esteve sempre associado a supostas características inatas que não se aprendem na escola.
Na verdade, alguém que troca um emprego com salário fixo e decide investir, com risco, num negócio, tem em si um rasgo de personalidade distintivo. Sabemos que esta característica é importante, mas é tendencialmente insuficiente se faltarem as competências técnicas e específicas. As vocações são trabalháveis no sentido de se desenvolverem competências dinâmicas e ajustáveis ao tempo e circunstâncias.
O pensamento vigente de muitos empresários e empreendedores ainda é o de “não tive formação, mas tive sucesso na empresa que criei”, pensamento este que tem que ser substituído por “o meu percurso de mérito poderia ter sido amplificado se tivesse competências de gestão”. Por
outro lado, segundo Pedro Cruz, persiste alguma desconfiança relativamente às instituições de ensino e formação, pelo que, ainda hoje, são raros os estudos de consultoria empresarial adjudicados a universidades ou centros de investigação.
Mas são os consultores que ali ministram aulas e recrutam os colaboradores que, por seu turno, vão para as consultoras desenvolver esses projectos.
Este tema é também amplamente abordado pelo World Scholarship Forum (Fórum Mundial de Bolsas de Estudo), num artigo de 21 de Maio do presente ano, em que especialistas consideram que “a educação para o empreendedorismo ensina os indivíduos a pensarem fora da caixa e estimula talentos e habilidades não convencionais e lamentam o facto de que “a maioria das escolas não ensina empreendedorismo, mas concentram-se em tópicos que não ajudam os alunos a pensar de forma criativa e ambiciosa”.
O que, de facto, se aprende numa escola de negócios?
Pedro Cruz, CEO do Instituto Superior de Gestão (ISG), começa por esclarecer que, em primeiro lugar, é preciso desmontar a ideia daquilo que é efectivamente o “negócio” e o “empreendedor”. O “negócio” sempre esteve associado a uma realidade institucional empresarial quando, na
verdade, é algo absolutamente transversal, começando na esfera individual ou familiar, porque temos sempre valores, receitas, custos, expectativas, planos e imprevistos para gerir.
No fundo, segundo o responsável, somos e temos de ser todos “gestores”, independentemente da escala. E gerir é basicamente prever. Para prevermos algo temos de antecipar cenários, recolher informação, planear. Ora, para se planear é necessário um conjunto amplo de ferramentas
que podem e devem ser trabalhadas no âmbito da formação ou do ensino. Formalizar uma ideia e montar um simples plano de negócios precisa de tudo isto que se falou.
Gerir, neste contexto, será então “tomar decisões com o menor risco possível com a maior informação (e previsão) possível”. Nunca é garantia de sucesso, mas minimiza as probabilidades de insucesso. É a isto que pode aspirar alguém que pretende “gerir”.
Michael Miranda, director-executivo da Above, também resume a essência da formação no “plano de negócios que é essencial para saber elaborar e planear uma empresa. É onde o empresário aprende a lidar com os fluxos financeiros podendo evitar, por exemplo, a confusão entre o lucro e a receita. Onde o conhecimento do negócio é dado não só como prática, mas também como estratégia. O que tentamos fazer é que os empreendedores entendam que o negócio não é a receita, mas toda a estratégia de custos, de Recursos Humanos etc., que é necessária para que o negócio consiga sustentar-se, independentemente da área de actividade em que as pessoas estejam envolvidas”.
A qualidade, em Moçambique, não é das melhores
Se for verdade que os empresários têm de buscar conhecimentos das academias para conduzirem os seus negócios, não é menos verdade que há limitações que podem estar a contribuir para que o empresariado não se sinta estimulado a apostar nesta solução. Basicamente, as escolas de negócio não têm conseguido responder cabalmente os que os investidores procuram. Isto é, há um desfasamento entre a teoria e a prática.
Em todo o mundo é assim, mas, em Moçambique, o problema é mais acentuado. Agostinho Magenge, director-executivo da MD consultores,
considera que a qualidade é um problema de base e não apenas das escolas de negócio. O responsável compara a universidade a uma fábrica de produtos acabados que trabalha com matéria-prima (estudantes) que recebe de vários produtores (as escolas de nível básico e médio).
“Então, se a matéria-prima não tem qualidade, como é que o produto terá qualidade? O problema deve começar a ser resolvido na escola primária”, sugere o especialista.
Também sugere que as escolas deviam estar ligadas às empresas, no sentido de, a partir do terceiro ano, por exemplo, estudantes que estivessem no fim do curso teórico ingressassem nas empresas para estágio.
“Isso ajudaria os estudantes, quando concluíssem o nível de ensino, a saberem como podem iniciar um negócio, o que não acontece”, lamentou. Pedro Cruz aponta como grande limitação o factor tempo. “Tempo que os alunos/formandos não querem dedicar, assumindo que ’umas horas‘ são suficientes.
E tempo que os empregadores teimam em não investir para pensar de forma estrutural na formação, quer seja ao nível de estágios, quer seja na formação em contínuo”. Para Pedro Cruz, quer ao nível escolar, quer ao nível de instituições e empresas, os tempos de formação são, na maioria
dos casos, claramente insuficientes para que se consolidem todas as vertentes e ferramentas necessárias para a gestão cabal de um negócio (recursos humanos, planeamento, contabilísticos, financeiros, de estudos de mercado, de venda e distribuição, de gestão de stocks, etc.). Além disso, em qualquer programa de formação, é impossível simular todas as situações que poderão ser encontradas num cenário de vida laboral real. É um pouco como “tirar a carta de condução”.
Mas os empregadores não têm essa perspectiva(…). Michael Miranda, da Above, defende que “o ramo técnico tem de ser muito flexível na sua evolução e as escolas de ensino de negócios têm de ser muito rápidas a evoluir porque elas são o último recurso que as instituições têm para
aprender a ciência que evolui todos os dias”.
Mesmo assim, ensinar a empreender é um negócio rentável
Os nossos entrevistados não apresentaram números, mas falam de um crescimento acentuado do interesse por cursos de formação em negócios nos últimos anos, estimulado, por um lado, pela entrada das multinacionais da área de exploração de recursos naturais que buscam por parcerias
nacionais de pequena dimensão, o que acaba por criar uma pressão local pela busca de melhor performance empresarial. Este movimento, segundo Magenge, torna o negócio das escolas de negócio rentável.
Concordando com o franco crescimento do negócio das escolas de negócio, Pedro Cruz chama ao debate um outro ângulo de vista. Refere que a formação ou ensino numa instituição privada é em si um negócio que tem de ser encarado com um horizonte temporal de muito longo prazo,
com seriedade e resiliência.
“No nosso caso (Instituto Superior de Gestão), além da formação profissional do ensino médio e superior de cariz profissionalizante, de maior duração, aproveitámos os nossos recursos qualificados para criar uma divisão de formação executiva e de preparação para inserção na vida activa, de menor duração. Tem tido muito sucesso, sobretudo quando combina formação em áreas de negócios com um perfil de alunos, formandos, estagiários ou trabalhadores que já têm algumas noções de gestão”, explicou.
Também na Above, há cada vez maior procura por cursos vocacionais, práticos e técnicos em negócios, “porque chegámos a um ponto em que já não é possível improvisar.
As empresas têm de utilizar procedimentos, normas e padrões. Por exemplo, numa empresa que fornece mobiliário de escritório, como é que um funcionário consegue convencer os clientes a pagarem e fechar as vendas? Que técnicas utiliza para concretizar uma venda? Então as empresas
já perceberam que não é possível improvisar tudo… torna-se impossível fazer evoluir o patamar das empresas sem passar pela formação”, daí que, “hoje em dia”, muitas empresas que se constituíram a partir de um modelo informal de gestão – ’fazendo boladas‘ – já procuram instituições
vocacionadas. “Ainda assim, infelizmente, a maioria das empresas ainda usa práticas informais”, concluiu Michael Miranda, que considera a concorrência como um forte factor impulsionador da busca pela formação.

Formação tem custos, mas não tem preço
Nas diversas instituições, os pacotes variam conforme a área de actividade, duração, nível de graduação, nível dos professores e até a localização geográfica da escola. Em termos de números, na maioria das escolas, estaremos a falar de mensalidades avaliadas em 300 meticais no mínimo e em torno de 10 mil meticais no máximo. Mas para Pedro Cruz, o custo de uma formação em negócios nem se devia medir, porque “não acredito em pacotes para transformar alguém num empreendedor e/ou empresário.
Quem os vende – e estão aí no mercado imensos que o fazem – certamente está a enganar o aluno ou formando. O que costumo, sim, pensar é no imenso que custa a uma empresa ou mesmo a um país não ter empresários com formação”. Acrescenta ainda que a formação de um gestor ou empreendedor não pode ser encarada de
forma muito diferente de outras ocupações ou até vocações, como a de um músico, por exemplo, já que é sempre um processo a longo prazo, com resultados pouco óbvios no imediato.
O outro lado da moeda
Ao mesmo tempo que as instituições de formação e parte dos empresários argumentam haver a necessidade de os negócios serem desenhados e conduzidos a partir dos conhecimentos adquiridos em instituições com vocação para tal, há, pelo mundo, várias evidências e até estudos a questionarem este posicionamento. “Às vezes um mestrado em administração de empresas ajuda mais quando a sua empresa está bem estabelecida”, concluiu um estudo feito por uma empresa canadiana nos EUA, através de um inquérito a vários empresários.
“O treinamento da escola de negócios não ajuda muito durante o estágio inicial. A maioria dos entrevistados concordou que a escola de negócios lhes ensinou pouco sobre o processo de estabelecimento de um novo negócio – encontrar fontes de capital, recrutar e contratar funcionários,
lutar para fazer aquela importante primeira venda e aprender como superar concorrentes maiores”, lê-se no estudo da consultora Fax Inc.
Em Moçambique, país que está ainda longe dos melhores patamares de formação a este nível – ainda não se forma técnicos de negócio ao nível dos chamados Master in Business Administration (MBA, ou Mestre em Administração de Negócios, em português) como acontece nos países mais desenvolvidos –, também há uma vasta camada empresarial que dispensa as escolas de negócio. Principalmente a nova geração dos investidores em startups.
Celso Chambisso