Na azáfama do coração da capital provincial de Cabo Delgado não se medem esforços para fugir ao desemprego e, entre a juventude, a moda é transportar passageiros em motocicletas (“Táxi-mota”) para pôr comida na mesa.
“Não vejo mais o que fazer, pelo menos com ‘Táxi-mota’ consigo pagar a minha escola”, conta à Lusa Zacarias João, 20 anos, parado ao lado de uma das dezenas de motocicletas que esperam por passageiros, na agitada paragem da praia do Wimbe, em Pemba, capital provincial de Cabo Delgado.
Estudante do último ano do ensino secundário geral (a 12.ª classe), Zacarias é um entre milhares de jovens que tentam ganhar a vida com este “negócio arriscado”, carregando passageiros em vias agitadas e esquivando-se das autoridades, tendo em conta que a maioria tem quase sempre um documento em falta, além de deixarem sempre os capacetes em casa.
“Tenho o livrete e a licença de circulação, mas o capacete ficou em casa. Não ando com ele porque me atrapalha”, conta o motociclista, com uma dose de humor à mistura.
Os passageiros de Zacarias também não levam capacetes, desde que respeitem as duas regras básicas para viagem: pôr uma máscara para evitar O covid-19 e abraçar o motociclista, que cruza as avenidas e ruelas de Pemba sem receio e em “tempo recorde”.
Os preços de uma viagem nestas moto-táxi, como também são conhecidas, variam em função dos quilómetros, entre 50 meticais e 600 meticais, embora existam situações extremas em que o percurso custe mais.
“O nosso Governo não tem emprego [para nós], mesmo se você concluir a 12.ª classe vai ficar em casa com o teu certificado”, diz á Lusa João Tomás, outro motociclista que viu no negócio alternativa para fugir ao desemprego.
Arrastado ao desemprego pelo impacto económico do covid-19, João Tomás está na praça há um mês e, como muitos, a motocicleta que usa não lhe pertence.
Resiliência apesar dos poucos clientes
“Nós recebemos uma mota de alguém e fazemos o possível para conseguir a receita combinada para o nosso patrão. Depois de fazer a receita, começamos a fazer o nosso dinheiro”, explica João Tomás.
Embora o número de clientes esteja fraco, João Tomás sabe que não pode desistir.
Além do seu patrão, a sua filha depende dele e, por isso, arrisca a vida em cada abraço dos estranhos que diariamente sobem na garupa da moto, numa altura em que o distanciamento é lei face ao aumento de número de casos de covid-19 na província de Cabo Delgado.
“Todos nós temos medo de apanhar coronavírus porque é uma doença contagiosa, mas nós não temos como”, frisou.
Mas apesar da garra e coragem na luta para pôr comida na mesa, há uma linha que quase todos eles nunca atravessam: carregar passageiros para distritos afetados pelos ataques armados terroristas no norte de Cabo Delgado.
“Eu não aceitaria fazer uma viagem, por exemplo, para Quissanga, sabendo que lá ainda há ataques”, afirma à Lusa Alídio Amade, que também chegou à praça recentemente, mas já sabe quais são os limites.
“Eu tenho medo de chegar nesses pontos porque provavelmente serei atacado”, frisa o motociclista.
Por agora, Alídio Amade guarda o sonho de ser electricista formado numa universidade na gaveta, mas a esperança não morreu.
“Eu não perdi a esperança e a qualquer momento eu posso voltar a estudar”, declara o jovem, de 19 anos, com clara convicção num futuro melhor em Cabo Delgado.
A luta contra os insurgentes em Cabo Delgado ganhou um novo impulso, quando em 08 de Agosto forças conjuntas de Moçambique e do Ruanda reconquistaram a estratégica vila portuária de Mocímboa da Praia, que estava nas mãos dos rebeldes há mais de um ano e que era considerada “base” destes grupos armados.
Os ataques armados por insurgentes em distritos do norte de Cabo Delgado provocaram mais de 3 100 mortes, segundo o projecto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, segundo as autoridades moçambicanas.