Se, no ano passado, o metical preocupou pela histórica desvalorização, entre Abril e Maio a moeda nacional deu que falar pela acentuada apreciação. A diferença, porém, é que, no primeiro caso, os importadores sofreram… mas sofrem também hoje quando deviam ganhar. Porquê?
No último mês, a economia moçambicana foi surpreendida por uma apreciação rápida e acentuada da moeda nacional em relação ao dólar, sendo, inclusive, considerada a moeda que mais ganhos registou no mundo, ao sair dos cerca de 75 meticais no início do ano para 55 meticais em finais de Abril. Também apresentava uma valorização considerável em relação ao rand da África do Sul (dos quase 5 meticais para 4,5 meticais) e ao euro (dos 91 meticais para 81 meticais).
Pelos pressupostos da economia, enquanto ciência, o principal efeito da desvalorização do metical é a acessibilidade das importações, que ficam mais baratas. Este é o lado positivo. Em contrapartida, as exportações nacionais ficam mais caras. É a face negativa. Mas, na situação actual, há sinais de que esta valorização não está a ser, de todo, vantajosa. Vejamos: Pelo lado das exportações, a E&M procurou saber o impacto da rápida valorização da moeda nacional nas exportações de energia da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), que tem como clientes externos a África de Sul, Zimbabué e a chamada bolsa de energia da África Austral.
“De facto, o risco cambial para uma empresa exportadora cujas receitas estão denominadas em Rands e a sua estrutura de custos em dólares, euros e meticais é real”, admitiu o administrador-financeiro da empresa, Rui Rocha.
Ainda temos vários meses pela frente até ao fim do ano. Adicionalmente, temos também disponíveis, no mercado local e no internacional, instrumentos financeiros para atenuar esse impacto
Embora seja certo que as receitas previstas irão sofrer uma importante redução, “é difícil antever a magnitude do impacto na receita da empresa neste momento, dado que a apreciação do metical foi bastante acentuada no mês de Abril e, nos últimos dias, temos observado uma tendência contrária. Ainda temos largos meses pela frente até ao fim do ano. Adicionalmente, temos também disponíveis, no mercado local e no internacional, instrumentos financeiros para atenuar esse impacto. Contudo, reiteramos que as oscilações acentuadas da moeda causam sempre dificuldades na planificação efectiva das empresas”, explicou o responsável.
Sem entrar em detalhes, Rui Rocha esclareceu também que, ciente dos perigos das oscilações cambiais (neste caso, a acentuada valorização do metical), a HCB definiu a sua estratégia financeira, que visa optimizar e maximizar os resultados, tendo desenhado um pacote que pode passar pela contratação de instrumentos financeiros que possam reduzir a exposição à incerteza.
Certamente, todo o sector exportador da economia está a experimentar a redução de receitas, que se continuar a acentuar-se, conforme as previsões de alguns especialistas, poderá afectar as metas de crescimento económico previstas para o presente ano, cujas estimativas do Governo apontam para 2,1%.
A crise de divisas que as casas de câmbio vêm enfrentado há alguns anos, a única alternativa de acesso ao dólar tem sido os operadores de câmbio informal
E quanto às importações? Era de se esperar que as compras no exterior, que terão ficado mais baratas, animassem os importadores. Mas não. Pelo menos não a todos. Manuel Machaieie, associado a uma equipa de importadores informais de viaturas usadas a partir do Japão, explica que “com esta magnitude da valorização do metical o preço das viaturas reduziu significativamente.
A Toyota Ratz, por exemplo, viu o seu valor cair dos cerca de 310 mil meticais para 250 mil entre Janeiro e princípios de Maio”. Moisés Luís Jogobo, que trabalha na agência importadora Japan Moz Import, acrescentou que a redução do preço das viaturas terá criado condições para a duplicação das encomendas. “Antes da valorização do metical importávamos entre 15 e 20 carros por mês, mas nos últimos dois meses aumentou para 30 a 40 carros”, revelou.
Entretanto, ambos os operadores relatam dificuldades de explorar o máximo das vantagens da subida do metical em resultado da escassez de divisas no mercado. Moisés Jogobo fala de “um pequeno impasse na obtenção do dólar junto dos bancos comercais”. “Não sei ao certo, mas acredito que os bancos estão a ficar com falta de dólares devido ao elevado número de operações em transferências de moeda para fora do País”, revelou o importador.
Também sobre o difícil acesso ao dólar, Manuel Machaieie não tem dúvida de que o fenómeno está relacionado com o excesso de procedimentos burocráticos dos bancos comerciais para venderem aquela moeda a particulares, já que, entre outras questões, “os bancos abrem espaço para pagamentos no estrangeiro mediante a apresentação de factura proforma”.
Além disso, explica o jovem importador, com a crise de divisas que as casas de câmbio vêm enfrentado há alguns anos, a única alternativa de acesso ao dólar tem sido os operadores de câmbio informal, onde aquela moeda não tem conhecido alterações substanciais, permanecendo, até hoje, na casa dos 72 meticais, contra os 60 meticais nas casas de câmbio e 58 meticais nos bancos comerciais. Terá sido esta questão que levou o Banco Central a responder, um dia após a entrevista a estes operadores, com a injecção faseada de 60 milhões de dólares na economia
Uma apreciação vazia?
Especializado em economia monetária e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), Yasfir Ibaimo entende que nem as vantagens de importar mais bara[1]to nem a perda de receitas por exportar mais caro devem ser acentuados. Por outras palavras, é uma apreciação cambial que, ao mesmo tempo que não justifica a euforia dos importadores, não deve suscitar grandes preocupações aos exportadores. Porquê? O economista argumenta que a procura global continua retraída, apesar do tímido relaxamento das medidas de prevenção da pandemia em todo o mundo.
Prova disso é que o preço de mercadorias agrícolas no mercado internacional continua baixo. A procura pelo carvão, principal produto de exportação de Moçambique, também está baixa, ainda que as perspectivas apontem para uma melhoria enquanto os planos de vacinação ao nível global se expandirem. Quanto à competitividade, as exportações nacionais ficaram mais caras, mas o seu volume no contexto internacional é extremamente pequeno e resume-se em matéria-prima. Isto é, os países que consomem a matéria-prima moçambicana também têm outros mercados fornecedores.
“Por esta via, não pode desincentivar as exportações, até porque esta poderá ser uma apreciação temporária”, antevê o pesquisador. Mas este posicionamento não é apenas deste economista. Ao empresariado, por exemplo, interessa mais a redução das taxas de juro já que, “mesmo com a apreciação do metical, Moçambique continua sem capacidade para comprar o dólar”, segundo o presidente da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), Agostinho Vuma.
Câmbio é assunto muito mais sério
A discussão sobre como a economia está ou irá reagir à apreciação da moeda nacional acabou por suscitar uma abordagem muito além disso. Das causas aos efeitos, Yasfir Ibraimo fala de uma série de fenómenos a serem observadas pelo Banco Central para uma intervenção mais acertada e a favor da estabilização simultânea das taxas de câmbio, da inflação e consolidação do crescimento económico.
O economista concluiu, por exemplo, que a valorização da moeda é resultado da acção de um grupo de especuladores, que incluem bancos comerciais. Como? Yasfir Ibraimo sequenciou cronologicamente a sua tese. Desde finais do ano passado e princípios de 2021, a inflação começou a crescer, devido a eventos climáticos adversos como chuvas fortes e ciclones, condicionando a produção de bens básicos de consumo.
Se não alterar a taxa MIMO é provável que continuemos a ter um metical forte, mesmo com uma depreciação não substancial, porque taxas de juro altas reduzem o risco de aumento significativo das importações
Nessa altura metical depreciava-se face ao dólar e ao rand, influenciando ainda mais o aumento da inflação, já que Moçambique é um grande importador de bens e serviços. A situação obrigou o Banco Central a intervir, tendo começado por baixar a taxa de juro de política – a taxa MIMO – de 10,25% para 13,25%. Mesmo assim, o metical continuou a depreciar-se face ao dólar.
“E a questão é: o que explica este fenómeno num contexto em que não havia pressão na procura pelo dólar e as importações reduziram consideravelmente (famílias estão com rendimentos baixos, empresas paralisadas devido à pandemia do covid-19)?”, questiona. Além disso, continuou mesmo olhando para a factura de importação dos combustíveis, é fácil concluir que a redução da actividade económica também reduz a sua importação. Mesmo os mega-projectos, que são grandes importadores, estavam com baixo nível de actividade, o que também não justifica a apreciação que o dólar vinha registando.
“Logo, a hipótese que eu levanto da apreciação cambial num contexto de fraca actividade económica e de redução de rendimentos é a existência de alto nível de especulação no mercado cambial. Ou seja, um grupo de especuladores, incluindo a banca comercial, detinha liquidez para adquirir moeda estrangeira mesmo no contexto de menor procura, o que acabou por alimentar a apreciação do dólar”, conclui o economista.
Acrescenta ainda que o Banco Central se deve ter apercebido que o aumento da taxa MIMO não terá sido suficiente para conter a inflação, visto que o metical continuava a perder valor. Assim, interveio no mercado cambial interbancário disponibilizando moeda estrangeira, mas fê-lo de forma excessiva, acabando por inundar o mercado.
E como os bancos comerciais também já detinham elevadas reservas em moeda externa, foi ficando cada vez menos apetecível adquirir as reservas disponibilizadas pelo Banco Central, acabando por justificar a apreciação abrupta do metical que hoje testemunhamos.
O que esperar daqui em diante?
A trajectória da moeda nacional é incerta. Muitos economistas vaticinam um metical cada vez mais forte nos próximos meses, mas o certo é que, ao longo de Maio tem dado sinais de uma ligeira quebra. A este propósito, Yasfir Ibraimo explica que o futuro do metical dependerá das medidas a serem tomadas no mais recente Comité de Política Monetária do Banco de Moçambique (em meados de Maio corrente).
“Se continuar sem alterar a taxa MIMO é provável que continuemos a ter um metical forte, mesmo com uma depreciação não substancial, porque taxas de juro altas reduzem o risco de aumento significativo das importações. Se reduzir a taxa MIMO, implicará o aumento da procura por moeda para importações e pode-se assistir à queda do metical face ao dólar e a outras moedas transaccionadas no mercado doméstico”, concluiu o economista. Aguardemos para ver também os efeitos da recente injecção de divisas no valor de 60 milhões de dólares.
Celso Chambisso