O trabalho desenvolvido pela Labibela Global-Networks foi considerado de relevância excepcional para a transformação digital do sector da saúde no Leste da África.
O projecto que deu o primeiro lugar na competição à Labibela Global-Networks, designado ABAY-CHR, e que arrancou em 2019, tem como objectivo a digitalização dos processos de gestão hospitalar.
O ABAY-CHR permite a simplificação dos procedimentos hospitalares e tem, comprovadamente, melhorado a qualidade do atendimento prestado pelos hospitais.
Desde que começou a ser implementado, o ABAY-CHR já permitiu digitalizar 1,2 milhões de registos de pacientes. Wuleta Lemma, co-fundadora e CEO da Lalibela Global-Networks, sublinhou, ao receber o prémio, que a pandemia só veio dar ainda mais ênfase à importância do trabalho que tem sido realizado: “A Covid-19 mostrou a importância de termos registos médicos seguros o que, para mim, deveria ser um dos direitos humanos essenciais”.
Mas a Labibela Global-Networks está longe de ser a única start-up do continente africano cujo trabalho inovador tem vindo a ser reconhecido internacionalmente.
Também a start-up angola Appy Saúde foi recentemente premiada, na categoria de eHealth, durante a conferência interncional ITU Virtual Digital World 2020, realizada em Outubro passado, e que é organizada pela International Telecommunication Union, a agência das Nações Unidas para o sector das telecomunicações.
Neste momento, o aplicativo da Appy Saúde dá acesso a mais de 1500 farmácias, 320 clínicas privadas e 275 hospitais públicos em Angola
A Appy Saúde desenvolveu uma aplicação móvel, disponível desde 2017, que permite aos seus utilizadores reservar medicamentos e encomendar produtos farmacêuticos não sujeitos a receita médica, marcar consultas e aderir a seguros de saúde.
A aplicação permite ainda que os seus usuários identifiquem a farmácia mais próxima, os melhores preços e a disponibilidade dos medicamentos. Neste momento, o aplicativo da Appy Saúde dá acesso a mais de 1500 farmácias, 320 clínicas privadas e 275 hospitais públicos em Angola.
De acordo com notícia avançada pela Disrupt Africa, a start-up angolana pretende expandir as suas actividades para outros países do continente, nomeadamente África do Sul, Ruanda, República Democrática do Congo e Namíbia.
Independentemente destes projectos que, entre outros, obtiveram notoriedade internacional, o mais recente relatório da Disrupt Africa (High Tech Health: Exploring the E-Health Startup Ecosystem Report 2020) mostra, de forma inequívoca, que os últimos anos têm sido marcados por um boom no sector e permite também ter uma visão ampla da diversidade dos actores e das tecnologias que estão a criar soluções inovadoras e, por via disso, a atrair, cada vez mais os investidores internacionais.
De acordo com o relatório, o número de health-techs no continente africano cresceu, nos últimos três anos, 56,6% havendo, neste momento, 180 start-ups activas.
Um dos dados interessantes do relatório – que detalha o crescimento do investimento ao longo dos últimos cinco anos – é que mais de metade do valor deste investimento aconteceu já em 2020, em plena pandemia do novo coronavírus.
Nos primeiros seis meses do ano passado, as health-techs de África conseguiram investimentos na ordem dos 90 milhões de dólares.
Telemedicina, drones e ferramentas de diagnóstico inovadoras
O relatório destaca ainda a grande variedade do tipo de soluções tecnológicas que estão a ser desenvolvidas por estas start-ups. Vejamos, a título ilustrativo, alguns dos casos mais exemplares:
Com a pandemia, uma das áreas que teve maior desenvolvimento foi o das consultas online. Na Nigéria, a eHealth Africa criou uma plataforma para permitir o acesso rápido dos cidadãos a consultas médicas sem necessidade destes se deslocarem a clínicas ou hospitais.
Ainda na Nigéria, também a Helium Health, que durante os últimos anos se tinha focado sobretudo na digitalização dos registos médicos hospitalares, desenvolveu uma plataforma de consultas online que conta já com dezenas de hospitais e clínicas ligadas à sua plataforma.
Uma outra área que conheceu um grande desenvolvimento ao longo do último ano foi a da distribuição de medicamentos e equipamentos médicos através do uso de drones.
O caso mais conhecido é, certamente, o da Zipline a qual, já antes da pandemia, se tinha destacado no Ruanda, pelo uso de drones. Actualmente, a Zipline é responsável, por exemplo, por transportar 35% de todo o sangue usado para transfusões no país.
Há que recordar que, já em 2014, África já se tinha destacado pela criação da Dabadoc, plataforma que permitiu a conexão de médicos e pacientes de Marrocos e Tunísia
Cada drone consegue percorrer uma distância de 160 km a partir dos centros de distribuição o que significa conseguir chegar a algumas das comunidades mais remotas do país. Outro exemplo é o da nigeriana LifeBank que assegura com os seus drones o transporte e a entrega de sangue, vacinas e oxigénio para hospitais, evitando assim que pessoas morram por falta destes recursos.
Um segmento importante das start-ups tem-se focado quer no desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico inovadoras, quer na agilização e disponibilização junto da comunidade médica e hospitalar de meios de diagnósticos sofisticados.
No primeiro caso refira-se, por exemplo, a sul-africana Erada que criou um teste para a malária através da análise da saliva. O teste permite ter resultados em 5/10 minutos e evita a colheita de sangue. Por seu turno, a queniana Illara Health desenvolveu um kit de diagnóstico para diabetes e hipertensão – que tem estado a ser usado por médicos e farmácias em zonas rurais do país e que usa ferramentas de Inteligência Artificial.
O kit inclui uma série de dispositivos móveis, como smartphones, que habilitam os profissionais de saúde a conectarem- se em tempo real com a base de dados da Illara Health para confirmação do diagnóstico.
Há que recordar que, já em 2014, África já se tinha destacado pela criação da Dabadoc, plataforma que permitiu a conexão de médicos e pacientes de Marrocos e Tunísia.
Como a IA vai revolucionar o sector da saúde
Estes desenvolvimentos inserem-se no quadro mais amplo das transformações que, a nível global, estão já a ocorrer em todo o ecossistema do sector da saúde por via da digitalização das diversas componentes e segmentos que o compõem.
Em particular, a crescente aplicação da Inteligência Artificial e dos programas de Machine Leraning (Aprendizado-Máquina) prefiguram uma mudança radical no que foi, até agora, o modelo convencional de operar do sector da saúde.
O recente relatório da Market Data Forecast (Big Data Healthcare Market- Growth, Trends, and Forecast 2020 – 2025) estima que o mercado global da saúde digital ultrapasse os 312 biliões de dólares até 2025 sublinhando que a pandemia da Covid-19 acelerou a adopção e a inovação de soluções digitais, principalmente através do uso de sistemas baseados em Inteligência Artificial.
De acordo com o relatório, o número estimado de start-ups que, a nível global, estão a utilizar a Inteligência Artificial para a descoberta e desenvolvimento de novos medicamentos – apenas uma pequena área de aplicação da Inteligência Artificial no sector da saúde – cifra-se em cerca de 230.
O relatório oferece, no entanto, uma visão abrangente de como a Inteligência Artificial já está a impactar o ecossistema da saúde e como os futuros desenvolvimentos mudarão definitivamente o seu modus operandi.
De acordo com um estudo da consultora Accenture, de 2018, a aptidão da Inteligência Artificial para melhorar a eficiência da análise de imagens, sinalizando de maneira rápida e precisa anomalias, irá ter um impacto significativo no diagnóstico médico e na tomada de decisão
Um dos aspectos mais relevantes tem que ver com a capacidade preditiva da tecnologia. Por exemplo, a partir da análise de grandes volumes de informação já existente (exames médicos, tomografias, electrocardiogramas, etc.) será possível extrair padrões de dados e chegar a modelos estatísticos de probabilidade de um evento ou patologia ocorrer.
De igual modo, e de acordo com um estudo da consultora Accenture, de 2018, a aptidão da Inteligência Artificial para melhorar a eficiência da análise de imagens, sinalizando de maneira rápida e precisa anomalias, irá ter um impacto significativo no diagnóstico médico e na tomada de decisão.
O estudo da Accenture destaca ainda outra área cujo potencial já começa a ser explorado e irá conhecer um rápido desenvolvimento: o das cirurgias robóticas assistidas por programas de Inteligência Artificial. O uso desta tecnologia na análise dos dados e dos registos médicos pré-operatórios e o seu apoio na condução dos procedimentos operatórios levados a cabo pelo cirurgião irá aumentar a eficiência dos procedimentos e assim gerar uma redução de 21% no tempo de permanência dos pacientes no hospital.
Para a Accenture, o impacto da Inteligência Artificial – descoberta de novos medicamentos elaboração de modelos preditivos reforçando a “medicina preventiva”, reforço da capacidade de diagnóstico e da possibilidade de “soluções personalizadas” para cada paciente, aumentos de eficiência nos fluxos operacionais hospitalares e nos procedimentos cirúrgicos, etc. – combinado com a multiplicação de opções de telemedicina (consultas à distância) e de aplicativos inovadores bem como de plataformas online em rede (conectando todos os actores do ecossistema) serão os elementos estruturais que irão configurar os sistemas de saúde do século XXI.