O ano de 2020 confirmou que o maior investimento de África está no norte de Moçambique. E esse podia ser o tema que faria eclipsar qualquer outro, não fosse o covid-19 e a crise humanitária provocada pelo terrorismo em Cabo Delgado.
O balanço de 2020 na área da Economia em Moçambique fica marcado por um evento que é também relevante para África: o consórcio da Área 1 da bacia do Rovuma, ao largo de Cabo Delgado, conseguiu angariar 15,8 mil milhões de dólares de agências financeiras e bancos para a construção de infra-estruturas para a produção de gás natural liquefeito (GNL). Moçambique passa a acolher o maior investimento privado sob financiamento em África.
“Estão garantidos recursos suficientes para o financiamento de todo o processo e construção das infra-estruturas”, declarou Max Tonela, ministro dos Recursos Minerais e Energia, a 03 de Julho.
Uma reunião em Maputo entre o governante e o presidente de Exploração e Produção da petrolífera Total, Arnaud Breuillac, assinalou o mar co histórico. Agências de comércio externo e bancos garantiram os 15,8 mil milhões de dólares que faltavam para completar o orçamento total de 23 mil milhões de dólares. O ano de 2024 continua a ser a meta para o início da produção, apesar dos obstáculos.
O covid-19 foi um deles, mas atingiu o projecto numa fase inicial – em que decorrem sobretudo processos de ‘procurement’ e engenharia –, o que permitiu manter o cronograma para o arranque das principais obras no terreno em 2021.
Os ataques terroristas com ligações extremistas ao grupo jihadista Estado Islâmico e outras ainda por esclarecer têm poupado o recinto de investimento, mas colocam mais pressão sobre a segurança e logística – com a petrolífera Total a apoiar as tropas moçambicanas. A escalada do conflito em 2020 representa um risco acrescido.
O ano do terror
Vilas tomadas de assalto e ocupadas. ‘Raids’ destruidores. Massacres. Os ataques de grupos armados em Cabo Delgado cresceram para níveis inéditos em 2020. Os ‘malfeitores’, como eram rotulados pelas autoridades, passaram a ser designados de terroristas e o impacto da guerra no norte de Moçambique nas despesas do Estado e no ambiente de negócios passou a ser factor incontornável em todas as análises de consultoras ou outros organismos – como o Banco de Moçambique.
O fim desta crise é imprevisível, tal como a verdadeira dimensão do rombo económico no terreno e nas expectativas de segurança de quem quer investir no País
A despesa do Estado cresceu e o conflito armado foi, ao lado do covid-19, uma das principais justificações do Governo para apresentar um Orçamento de Estado rectificativo para 2020. Os números do terror são avassaladores e seguem uma infeliz tendência para aumentar. A violência armada em Cabo Delgado dura há três anos e está a provocar uma crise humanitária com cerca de 2000 mortes e 500 000 pessoas deslocadas, sem habitação nem alimentos, concentrando-se sobretudo na zona da capital provincial, Pemba. Mas a fuga leva a uma dispersão crescente e a vaga de deslocados já chega ao centro do País.
O fim desta crise é imprevisível, tal como a verdadeira dimensão do rombo económico no terreno e nas expectativas de segurança de quem quer investir no País.
E, afinal, a Exxon Mobil?
Neste cenário de insegurança crescente e de contracção económica por causa da covid-19, a Exxon (Área 4) e a Total (Área 1) procuram cortar despesas, escreveu a agência Reuters em Novembro, ao anunciar novas conversações entre as duas petrolíferas presentes no norte de Moçambique.
Acontece que têm uma reserva de gás em comum que agora passou a ser prioridade, porque é mais barata de explorar do que as que têm em separado. Mas como é um cofre de tesouro partilhado, há que negociar o quinhão de cada parte. “Eles querem usar primeiro o gás mais barato”, enquanto a economia mundial não recupera do covid-19, disse uma das fontes à Reuters.
O sucesso nas negociações pode ser particularmente importante para a Exxon, que ainda precisa de atrair os investidores antes de uma decisão final de investimento (FID), sucessivamente adiada no seu projecto Rovuma LNG, de 30 mil milhões de dólares, que várias fontes agora não esperam antes de 2022. O da Total já avança e deve iniciar produção em 2024. Antes, em 2022, arranca a produção de uma plataforma flutuante da Área 4, mas de menor dimensão.
O futuro parece brilhante e confiável, mas apontar uma data é especulação. Depende de como o mercado evoluir nos próximos meses e anos e isso será um factor importante para os accionistas se juntarem e avaliarem a viabilidade do projecto
O projecto Mamba adiado pela Exxon representa mais de metade do total de exportação de gás previsto nas contas do Estado moçambicano para colocar o País a crescer na casa dos 10% ao ano na próxima década. O director-geral da Exxon Mobil em Moçambique, Jos Evens, disse em Outubro que seria especulação indicar uma data para a Decisão Final de Investimento.
“O futuro parece brilhante e confiável, mas apontar uma data é especulação. Depende de como o mercado evoluir nos próximos meses e anos e isso será um factor importante para os accionistas se juntarem e avaliarem a viabilidade do projecto”, referiu durante a Cimeira de Gás de Moçambique.
Pandemia arrasa economia
Talvez em 2021 se consigam vislumbrar melhor os estragos causados pela pandemia do covid-19 na economia moçambicana, mas parece desde já claro que, como no resto do mundo, os sectores da hotelaria e restauração levaram a maior machadada. No pódio das exportações moçambicanas, a indústria extractiva – que depende da procura exterior – também se ressente, embora o pior pareça já ter passado.
A mineradora brasileira Vale tem capacidade instalada para produzir 12 milhões de toneladas de carvão por ano (o principal produto de exportação de Moçambique e que tem sobretudo a Ásia como destino), mas de Janeiro a Setembro não foi além de 4,6 milhões de toneladas. Em 2018 tinha produzido 11,5 milhões de toneladas e em 2019 oito milhões de toneladas. Em Novembro, a empresa anunciou obras de manutenção que vão aumentar ainda mais a capacidade de produção (para 15 milhões de toneladas a partir de 2021), certa de que a retoma pós-Covid-19 já aí está.
A pandemia e a crise económica que lhe está associada estão a agravar a insegurança alimentar em Moçambique que já afectava de forma crónica a cerca de 1,6 milhões de pessoas
No caso, não houve despedimentos (e os trabalhos de manutenção em Moatize, Tete, vão até criar mais emprego), mas a maioria dos moçambicanos, que vive das oportunidades da economia informal, queixa-se de um constante fechar de portas. No mercado formal, o Banco Mundial estima que o País tenha perdido 120 000 empregos devido à pandemia.
Segundo os Indicadores de Confiança e Clima Económico (ICCE) do Instituto Nacional de Estatística (INE) moçambicano, só os sectores da produção industrial, transportes e comércio registaram “uma perspectiva de subida de emprego” após a queda a pique em todas as áreas de actividade nos três primeiros trimestres.
Cenário agrava insegurança alimentar em 2020
A pandemia e a crise económica que lhe está associada estão a agravar a insegurança alimentar em Moçambique que já afectava de forma crónica a cerca de 1,6 milhões de pessoas, segundo dados do Programa Mundial da Alimentação (PMA).
De acordo com a análise periódica da rede humanitária de Alerta Antecipado de Fome (rede Fews, sigla inglesa), “prevê-se que a assistência alimentar cubra menos da metade das necessidades estimadas, de Novembro a Março de 2021, e algumas famílias provavelmente permanecerão em crise”. O último relatório salienta que este ano há um novo factor de agravamento: a pandemia do covid-19 que fez alastrar as zonas de crise alimentar a muitas famílias em áreas urbanas. Por outro lado, o novo Coronavírus está também a deixar subfinanciada a ajuda humanitária.
“O quadro agrava-se quando falamos do sector de nutrição, que é particularmente subfinanciado, beneficiando de menos de 1% de toda a assistência destinada ao desenvolvimento”, realça o PMA. A agência das Nações Unidas nota que os doadores tradicionais “enfrentam também a crise sanitária e socioeconómica provocada pela emergência do novo Coronavírus”, pelo que “a mobilização de recursos é ainda mais desafiadora”.
Dívida, nos mercados e nos tribunais
Em 2020, a dívida pública de Moçambique equivale a 12 370 milhões de dólares, anunciou o ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane, em Novembro, no Parlamento. Uma parcela de 16% daquele valor (cerca de 2000 milhões de dólares) é devida à China e foi empregue sobretudo para a construção de estradas e pontes, incluindo a via circular à capital, a ponte suspensa sobre a Baía de Maputo e as estradas a sul. Do total da dívida pública, 9850 milhões são dívida externa e o restante é dívida interna.
Uma fatia de 44% da dívida externa, ou seja, 4350 milhões de dólares foram emprestados por instituições multilaterais como o Banco Mundial e o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD). As dívidas das empresas Proindicus e MAM (Mozambique Asset Management) ligadas às dívidas ocultas do Estado foram excluídas desta apresentação. Maleiane explicou que o Estado accionou em tribunais de Londres processos contra o Credit Suisse e o banco russo VTB com vista à nulidade de ambos os empréstimos, tendo em conta o esquema fraudulento sob investigação e que terá estado na sua base – envolvendo figuras moçambicanas, banqueiros e o estaleiro naval Privinvest.
O regresso do apoio directo da EU O ano de 2020 ficou marcado pelo início de uma nova etapa na relação entre a União Europeia (UE) e o Governo moçambicano
Das dívidas não declaradas de 2200 milhões de dólares, Moçambique continua a suportar apenas o empréstimo original de 850 milhões de dólares à Ematum, uma vez que foi convertido em ‘eurobonds’, títulos soberanos.
O regresso do apoio directo da EU O ano de 2020 ficou marcado pelo início de uma nova etapa na relação entre a União Europeia (UE) e o Governo moçambicano. Foi subscrito um apoio directo ao Orçamento do Estado de 100 milhões de euros, modalidade suspensa desde 2016 devido às dívidas ocultas e agora retomada por causa do covid-19, mas em diferentes moldes, anunciou a UE.
“É um apoio orçamental específico, que está focado nas consequências dos impactos socioeconómicos do covid-19”, frisou António Sánchez- Benedito Gaspar, embaixador da UE em Maputo.
O diplomata assegurou que o acordo está coberto por cláusulas de “monitoria e transparência”. “Estamos felizes por ter feito este programa específico de dois anos de duração, num montante de 100 milhões de euros, que vem acompanhado também de mecanismos de monitoria de controlo, de reforço da transparência da gestão pública”, sublinhou.
A ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique, Verónica Macamo, congratulou-se com a ajuda. “O retorno da União Europeia à modalidade de apoio directo ao Orçamento do Estado reflecte o compromisso da instituição de continuar a alinhar o seu programa com as prioridades do Governo”, declarou.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) manifestou, no final de 2019, disponibilidade para retomar as negociações, mas, entretanto, eclodiu a pandemia e o processo aguarda por novas datas.
Entretanto, o FMI anunciou, em Abril, a entrega de 309 milhões de dólares ao Governo moçambicano para combater a pandemia, aliviar a balança de pagamentos e apoiar directamente o Orçamento do Estado.