Em Hong Kong – o mercado imobiliário mais caro do mundo – as rendas continuam exorbitantemente altas, apesar da pandemia global e de uma recessão severa, ameaçando acrescentar uma nova fonte de descontentamento após meses de turbulência política.
A economia de Hong Kong deve contrair até 8% este ano e a sua taxa de desemprego está próxima de máximos de 15 anos, em torno dos 6%. No entanto, as rendas das casas continuam a ser umas das mais caras do mundo, embora tenham recuado perto de 9,2% em Agosto em relação ao ano anterior.
As rendas elevadas, combinadas com o aumento do desemprego, estão a tornar mais difícil para os operários e para os que estão à beira da pobreza encontrar e manter até mesmo espaços muito pequenos.
A desigualdade no acesso à habitação é há muito uma questão polémica em Hong Kong, onde dezenas de milhares de pessoas vivem em minúsculos apartamentos subdivididos que às vezes são tão pequenos que são chamados de casas-gaiola.
As dificuldades adicionais alimentadas pela pandemia colocaram mais pressão sobre a administração de Carrie Lam, que está a lutar para reconquistar a confiança de milhões de pessoas após a imposição de uma lei de segurança nacional que apertou o controlo de Pequim sobre a cidade.
No distrito de Tsim Sha Tsui, lar de boutiques luxuosas e arranha-céus reluzentes, Herman Wong é o símbolo de como a pandemia alimentou a deterioração das condições de vida de muitos. O morador de 55 anos perdeu o seu emprego numa empresa de entrega de vegetais no ano passado quando os protestos políticos paralisaram os negócios e está a ter dificuldades em encontrar um novo trabalho durante a pandemia. Wong morava num apartamento T1 em Shenzhen, cidade chinesa próxima, alugado por 4 200 yuans (620 dólares) por mês, mas foi expulso em Abril e acabou por voltar para Hong Kong – mas para as ruas.
Hong Kong continua a ser o lugar mais caro do mundo para comprar um imóvel. As rendas médias na cidade são as terceiras mais altas do mundo, depois de Nova Iorque e Abu Dhabi
Uma organização sem fins lucrativos ajudou-o a pedir um subsídio do governo e agora divide um quarto que custa 645 dólares por mês. No local há espaço para duas camas e as janelas têm de ficar fechadas por causa dos ratos e mau cheiro. No entanto, Wong teme que mesmo isso se torne inacessível em breve.
“Só pudemos pagar o quarto porque o turismo diminuiu devido à pandemia”, disse Wong. “Tenho medo de ter de encontrar outro lugar para morar se as rendas aumentarem.” Ele sente que o governo não está a fazer o suficiente pelas pessoas na sua situação, que diz estarem “abandonadas”.
Um representante do governo de Hong Kong disse que a administração está a fazer o possível para dar apoio aos que dormem nas ruas através de organizações não governamentais, quartos em albergues e ajudas para outras necessidades como cortes de cabelo, refeições e banhos.
Num estudo realizado em meados deste ano, o provedor de serviços imobiliários CBRE Group relatou que Hong Kong continua a ser o lugar mais caro do mundo para comprar um imóvel. As rendas médias na cidade são as terceiras mais altas do mundo, depois de Nova Iorque e Abu Dhabi.
O governo de Hong Kong também parece estar a fazer menos para ajudar a proteger os arrendatários em comparação com outras cidades grandes
Em Hong Kong, o número de pessoas que dorme na rua abordadas por organizações não governamentais aumentou para 1 423 no período de Abril de 2019 a Março de 2020, de 1 297 no ano anterior, de acordo com um porta-voz do departamento de Segurança Social. Embora isso reflicta o número que recebeu ajuda de organizações sem fins lucrativos, não inclui todas as pessoas sem casa em Hong Kong.
Embora a população de sem-abrigo da cidade pareça pequena em comparação com Nova Iorque ou São Francisco, ela não reflecte aqueles que vivem em espaços “desumanos” que não são seguros, disse Jeff Rotmeyer, fundador da ImpactHK, organização não governamental que dá abrigo e refeições a quem não tem casa.
“A verdade é que há centenas de milhares de pessoas a viver em espaços com menos de 30 metros quadrados, apartamentos subdivididos”, disse Rotmeyer. A situação parece ter piorado durante a pandemia e ele vê novos rostos quase todos os dias.
O governo de Hong Kong também parece estar a fazer menos para ajudar a proteger os arrendatários em comparação com outras cidades grandes. Nos EUA, por exemplo, os Centros para o Controlo e Prevenção de Doenças suspenderam temporariamente os despejos residenciais para evitar a disseminação de covid-19.
Apesar da queda nos arrendamentos residenciais privados de Hong Kong no ano passado, a situação dos menos favorecidos não melhorou. A renda média aumentou 15% em Agosto em relação ao ano anterior, de acordo com o recente relatório da Sociedade para Organização Comunitária, um grupo sem fins lucrativos.
Uma pesquisa incluída no relatório também mostrou que quase metade dos 439 entrevistados que moram em casas subdivididas disse que os seus proprietários aumentaram as rendas nos últimos três anos. A maioria dos entrevistados também considerou a renda cara.