“Existem [neste anteprojecto de lei] excessivos poderes da parte do regulador”, afirmou Tomás Timbane, advogado e consultor jurídico, durante o webinar organizado pela CTA – Confederação das Associações Económicas de Moçambique, para debater “Aspectos Centrais do anteprojecto da Lei das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras” que decorreu na quarta-feira passada.
Além de Timbane, cuja observação crítica do Banco de Moçambique (BdM) sintetizou os reparos dos demais participantes, contribuíram para a mesa-redonda virtual moderada por Luís Magaço, economista financeiro e presidente da Associação de Comércio, Indústria e Serviços (ACIS), Lara Santos, a jurista especialista em compliance responsável pelo pelouro de Política Financeira da CTA, e Anselmo Samussone, advogado e consultor jurídico com experiência de 25 anos no BdM.
Para Timbane, o anteprojecto de lei, que “tem uma perspectiva muito de contencioso, de prevenção”, contempla “decisões que podem ser tomadas pelo regulador [que] têm de ser sindicadas”, afirmou. O jurista referia-se, entre outros aspectos, ao licenciamento de Instituições de Crédito (IC) e Sociedades Financeiras (SF), plasmado no Art. 19 do articulado em apreciação, e também ao processo contravencional, designadamente as sanções impostas pela entidade reguladora da actividade bancária, o BdM.
Indeferimento tácito e sem sustentação obrigatória
No primeiro caso, que contempla a criação de uma taxa de licenciamento e uma taxa anual de licença, Santos realça que seria importante que tais taxas “fossem fixadas ao nível de regulamento de lei, isto é, por decreto, para haver maior estabilidade legal”, disse Tomás Timbane, sugerindo que o mesmo princípio fosse aplicado ao “mínimo do capital social das IC e SF, o qual fica agora entregue à regulamentação por aviso do BdM”. Sobre a proposta para o regime das taxas para o licenciamento e renovação, que “é uma coisa nova”, Samussone também manifestou preocupação, alertando para o facto de que os encargos com tais taxas “vão ser repassados para o comum do cidadão”. Ou seja, para os clientes.
Todavia, o aspecto negativo do Art. 19 mais consensual entre os oradores foi a intenção de ampliar o prazo de aprovação (ou não) do licenciamento de IC e SF de 90 para 180 dias, com a presunção de indeferimento tácito do pedido em caso de falta de resposta. Por um lado, a duplicação do prazo “parece estar a ir contra a intenção do ‘doing business’ em Moçambique”, tornando-o mais oneroso e demorado, indicou Lara Santos, e, por outro, conforme referiu Samussone, “o que deveria haver era um diferimento tácito”.
“Do ponto de vista das decisões que podem ser contestadas, percebemos que as decisões do regulador não são sindicadas previamente. O regulador toma as decisões e antes não há uma decisão judicial que as legalize. Primeiro, tem de haver uma fundamentação destas decisões”, sublinhou.
Regime sancionatório arrisca saúde das instituições
E este problema agudiza-se quando se trata de contravenções. Para lá do agravamento substancial das multas previsto no diploma, prevê-se ainda que haja lugar à Divulgação das Decisões do BdM, mesmo quando impugnadas judicialmente e estando em curso os trâmites legais. Para Lara Santos, isso pode comportar danos reputacionais às instituições visadas “porque, entretanto, os media noticiosos já publicaram as decisões que poderão prejudicar os bancos”, alertou, propondo que “tal publicação só seja possível quando o caso tenha transitado em julgado ou a instituição visada não tenha contestado”.
A esse propósito, Anselmo Samussone confessou recear pela saúde das instituições financeiras objecto de sanções: “O regime sancionatório parece não muito bem porque é bastante mais gravoso do que o regime que já temos, e, olhando para o lado das instituições, impõe sacrifícios muitas vezes inaceitáveis para quem está a trabalhar em condições extremamente difíceis”, declarou, referindo que “lapsos são normais”.
“O que se espera é que, para termos uma lei equilibrada, outros intervenientes, eventualmente os interessados, também dêem o seu contributo. Porque o que temos é uma visão do regulador”
Para Timbane, a questão das penalizações impostas pelo BdM, para lá de não implicar a obrigatoriedade de uma justificação atempada face à contestação das suas decisões, é ainda agravada pelas debilidades próprias do sistema de Justiça nacional: “Há decisões que são contestadas nos tribunais judiciais e nos tribunais administrativos, pelo que deveria haver uma especificidade, uma capacidade técnica [para avaliar estas situações] do lado dos tribunais que não existe actualmente. Devia haver mais rapidez na apreciação destas questões, mas isso não é possível por falta de competências específicas nos tribunais”, afirmou.
O jurista reputou de “importante esta questão do controlo pelos tribunais das decisões do regulador, porque vêem-se [no anteprojecto da Lei das IC e SF] competências excessivas da parte do regulador, e a lei tem o poder de proteger o sistema financeiro também perante quem toma essas decisões”, disse.
Ignorados contributos dos privados
Na óptica dos oradores, o anteprojecto legislativo carece de equilíbrio, o qual poderia ter sido alcançado, disse Samussone, caso o autor tivesse atentado aos contributos da CTA e da Associação Moçambicana de Bancos (AMB). Luís Magaço garantiu que a AMB já tinha remetido os seus subsídios ao legislador “logo em Dezembro de 2017, e a CTA apresentou a sua visão em Abril de 2018”. Uns e outra, todavia, não tiveram qualquer expressão no documento agora em apreciação. Omissão que, segundo, Magaço, é recorrente.
Para Anselmo Samussone, no entanto, “o que se espera é que, para termos uma lei equilibrada, outros intervenientes, eventualmente os interessados, também dêem o seu contributo. Porque o que temos é uma visão do regulador”, declarou, concluindo: “Não seria recomendável aprovar a lei sem um parecer muito específico da AMB”.