A forma como foram planeados os testes à vacina da Pfizer e da sua parceira alemã BioNTech pode permitir às empresas saber se esta é eficaz antes dos seus rivais que até estão mais adiantados no desenvolvimento da vacina.
As empresas contam fazer uma análise preliminar quando, no seu teste de fase 3 que envolve 44 mil voluntários, 32 estiverem infectados. Tal pode acontecer já a 27 de Setembro, de acordo com a Airfinity, uma firma que está a acompanhar os testes da vacina contra o covid-19.
A Pfizer pretende efectuar quatro análises intercalares para depois obter um resultado preliminar antes de atingir o objectivo de ter 164 voluntários infectados com o vírus. Especialistas em testes a vacinas defendem que a Pfizer parece querer estar um passo à frente na corrida para ser a primeira farmacêutica a anunciar uma vacina, superando rivais como a Moderna e a AstraZeneca.
“Nunca vi um teste com quatro análises interinas, pode ser um recorde olímpico”, disse Eric Topol, director do site de informação médica Medscape. “É óbvio porque está a ser feito assim: querem estar a olhar para os dados de forma constante para tentar ganhar a corrida”.
Um leque alargado de sintomas e a severidade da doença torna complicada a evolução da vacina contra o covid-19. A U.S. Food and Drug Administration, que regula o sector nos EUA, tem dito que para uma vacina ser aprovada, esta tem de reduzir o número de sintomáticos para metade. Mas os documentos divulgados pelas farmacêuticas mostram que cada uma tem a sua própria metodologia para definir que sintomas devem ser considerados.
Parece haver vários níveis de rigor, e não diria que a dupla Pfizer-BioNTech surja como uma estrela do rigor
Os estudos efectuados pelas grandes farmacêuticas têm habitualmente um comité independente que avalia os dados uma ou duas vezes antes dos testes terminarem. O comité com o painel de especialistas pode dar o teste por concluído se considerar que a vacina é eficaz, ou pelo contrário um falhanço. Os quatro resultados preliminares podem dar à Pfizer “caminho aberto” para ter os resultados em breve, diz Marie-Paule Kieny, director do instituto francês Inserm e que trabalhou na OMS.
“Parece haver vários níveis de rigor, e não diria que a dupla Pfizer-BioNTech surja como uma estrela do rigor”, acrescentou.
A Moderna, que está a trabalhar com as autoridades norte-americanas, só vai começar a fazer as primeiras análises quando tiver 53 casos confirmados entre os voluntários e o objectivo passa por anunciar um resultado final quanto tiver 151 infectados entre as pessoas alvo de testes. A AstraZeneca, que está a trabalhar com a Universidade de Oxford, vai fazer a primeira análise com 75 casos e depois só no final dos ensaios quando chegar a 150.
“Todos os testes estão a colocar a fasquia lá em baixo”, diz Rasmus Bech Hansen, CEO da Airfinity.
A Pfizer acredita que terá resultados conclusivos em Outubro. Mas nenhuma farmacêutica saberá antes de Fevereiro se as suas vacinas, caso cheguem ao terreno, vão conseguir reduzir o número de internamentos de doentes com covid-19
O ensaio da Pfizer foi desenhado para avaliar a vacina “da forma mais rápida possível”, diz Amy Rose, porta-voz da farmacêutica. A empresa trabalhou com cientistas do governo para definir as melhores práticas dos testes e baseou o calendário das análises interinas à vacina tendo em conta o “forte perfil” dos primeiros testes com humanos e animais.
A Moderna diz que o cronograma foi definido com os reguladores dos EUA e a empresa sempre mostrou abertura na divulgação dos dados desde que os testes arrancaram em Julho. A AstraZeneca adianta que os testes estão a ser alvo de supervisão, foram implementados de forma a fornecer informação robusta e vão prosseguir mesmo depois de uma eventual autorização.
A Pfizer acredita que terá resultados conclusivos em Outubro. Mas nenhuma farmacêutica saberá antes de Fevereiro se as suas vacinas, caso cheguem ao terreno, vão conseguir reduzir o número de internamentos de doentes com covid-19.
Os observadores da corrida à vacina do covid-19 mostram-se sobretudo preocupados com as conclusões precipitadas que possam estar a ser adoptadas.
O medicamento remdesivir, da Gilead Sciences, foi aprovado para o tratamento da doença com base num reduzido número de dados. Mas este antiviral só está a ser utilizado em doentes que têm a vida em perigo. No caso das vacinas, serão administradas a milhões de pessoas que não estão infectadas, pelo que as conclusões sobre a sua eficácia terão de ser convincentes.
O consórcio da Pfizer com a BioNTech estima produzir mais de 1,3 mil milhões de doses até ao final do próximo ano
Algumas vacinas são aprovadas com um escasso número de casos nos testes. A vacina da Merck contra o ébola foi aprovada no ano passado com base num teste com apenas 3 500 pacientes que identificou 10 casos. Mas a conclusão do ensaio apontou para uma eficácia perfeita numa doença que tem uma elevada taxa de letalidade.
Milhões de pessoas em todo o mundo com baixo risco vão receber uma dose da vacina, o que eleva a fasquia da segurança. Uma autorização que seja concedida a uma vacina com base em resultados preliminares deixará os médicos com escassa informação sobre os seus efeitos. O assunto ganhou relevância depois da AstraZeneca ter suspendido os testes após um voluntário ter ficado doente.
Nos testes que está a efectuar, a Pfizer considera um caso positivo se o paciente tiver apenas febre, que é um dos sintomas mais comuns no covid-19. Tal vai permitir à companhia atingir mais rapidamente o número de casos total, mas também significa resultados preliminares com base em casos mais leves, alerta a Airfinity.
O consórcio da Pfizer com a BioNTech estima produzir mais de 1,3 mil milhões de doses até ao final do próximo ano, sendo que o Japão já garantiu 120 milhões de vacinas, os EUA 100 milhões (com a opção de comprar mais 500 milhões) e Bruxelas prevê uma compra inicial de 200 milhões de doses.