Na cultura moçambicana é sobejamente comum o uso da expressão “estou flexível”, normalmente associada ao momento em que as pessoas tratam de agendar dia, hora e local para levar a cabo encontros de natureza formal ou informal.
Nesta crónica pretendo dar nota, e proporcionar aos nossos leitores, a oportunidade de poderem avaliar se, ao nível das suas organizações, poderão dizer também que ”Estamos flexíveis”.
E vem este tema a propósito do esforço de adaptação das organizações aos enormes desafios do meio ambiente (e este é o conceito de flexibilidade que aqui adoptaremos), em resultado do actual contexto pandémico.
Avaliemos, sucessivamente, as várias dimensões da flexibilidade organizacional: a funcional; a numérica; a tecnológica; de mercado; a salarial e de benefícios; de cumprimento das obrigações fiscais e da segurança social.
1. Flexibilidade funcional: Nesta dimensão haverá que avaliar as condições objectivas (v.g. treino) para os actuais colaboradores poderem, sem precarização da relação laboral além da sua actual carta funcional, assumir outras funções com ela parcialmente relacionadas, ou não (flexibilidade múltipla e paralela), de modo a permitir a adaptação da força de trabalho à demanda do mercado.
Um exemplo é o caso de equipas forçadas à paragem prolongada por virtude de programas de manutenção preventiva ou correctiva das respectivas linhas de produção.
As várias dimensões da flexibilidade organizacional: a funcional; a numérica; a tecnológica; de mercado; a salarial e de benefícios; de cumprimento das obrigações fiscais e da segurança social
2. Flexibilidade numérica: Nesta dimensão haverá que avaliar as condições objectivas (v.g. sazonalidade do negócio) para fazer variar a quantidade de colaboradores necessários, positiva (i.e. implicando o aumento) ou negativa (i.e. implicando a redução), em linha com a variação da demanda do mercado.
Um exemplo é o caso de negócios sujeitos a ciclos sazonais (período natalício, época alta turística, época de colheita, etc.).
3. Flexibilidade tecnológica e geográfica: Nesta dimensão haverá que avaliar as condições objectivas para a implementação da chamada “prontidão digital” dos indivíduos e, bem assim, das equipas de trabalho, a par da aptidão para o trabalho remoto. Um exemplo, agora muito em voga e impensável antes da pandemia chegar a Moçambique, tem que ver com a deslocalização da força de trabalho para ambiente doméstico, garantindo a ligação à organização por via das novas tecnologias de informação.
4. Flexibilidade de mercado: Nesta dimensão haverá que avaliar as condições objectivas para, junto da cadeia de fornecedores e de clientes, obter: uma redução dos custos (“haircut”) dos inputs; ii) e destes, uma antecipação dos recebimentos. Em ambos os movimentos, o objectivo primordial é o de manter viável a tesouraria.
Um excelente exemplo disso em Moçambique é o caso de um banco da praça que identificou fornecedores estratégicos e procedeu ao pagamento antecipado de serviços, de modo a garantir a continuidade da sua cadeia de suprimento.
5. Flexibilidade salarial e de benefícios: Nesta dimensão haverá que avaliar as condições objectivas para, com o acordo expresso dos colaboradores, se proceder ao ajustamento temporário e excepcional quer do valor do salário, quer dos respectivos benefícios. Paralelamente, deverá ficar objectivamente claro até quando? E como? O retorno ao “novo normal” salarial deverá ocorrer.
Um exemplo disso é o caso de empresas que, perante a circunstância de terem de encerrar, ajustaram com os seus colaboradores um mecanismo de co-partilha do custo da mão-de-obra durante o período da pandemia.
6. Flexibilidade no cumprimento de obrigações fiscais e da segurança social: Nesta dimensão haverá que avaliar as condições objectivas previstas pelo Estado Moçambicano para as organizações flexibilizarem quer as condições, quer o perdão parcial de dívidas perante o Fisco e a Segurança Social.
Um exemplo disso é a possibilidade de obtenção de perdão total das multas e eventuais juros de mora, nos termos do n.º 2 do artigo 3 do Decreto n.º 22/2020, de 23 de Abril.
Conclusão: Os enormes desafios que o ambiente externo vem colocando, em virtude da pandemia, às organizações em Moçambique, no mínimo requerem — diria melhor, exigem — que os gestores, os trabalhadores, os fornecedores, os competidores, os clientes, o Estado, enfim, que todo o eco-sistema se equipe das necessárias seis flexibilidades referidas nesta crónica. E assim podermos afirmar, com toda a propriedade, que, em Moçambique, mais do que “Estarmos Flexíveis”, “Somos Flexíveis”.
Artigo publicado na edição de Julho da revista Economia & Mercado: Leia mais aqui