Embora uma pandemia do tipo daquela a que hoje estamos a viver não seja um fenómeno inédito na história das sociedades humanas, a dimensão globalizada e interconectada do mundo actual confere-lhe características que não têm, de facto, um precedente histórico.
A velocidade de transmissão do vírus não pode ser dissociada da crescente aceleração das comunicações, em especial da que se verificou ao longo do último século. Basta pensar na última grande pandemia, a da chamada “gripe espanhola”, de 1918, para ver a diferença. Desde então, a revolução nos transportes e a sua massificação criou uma dinâmica que não existia então. Mas uma outra diferença substantiva, tão ou mais determinante, tem a ver com a velocidade de circulação da informação a qual se dá hoje em “tempo real”. Esta sim, é uma dimensão verdadeiramente inédita e o seu impacto no comportamento individual e colectivo das sociedades contemporâneas é ainda (e continuará a ser) um objecto de estudo.
Se é sabido que, no passado, eventos catastróficos em larga escala (sejam eles guerras, crises económicas profundas ou pandemias) geraram sempre (e inevitavelmente) estados de intensa ansiedade, medo ou pânico, seria surpreendente se tal não se verificasse agora. No entanto, e ao contrário do que aconteceu no passado, existe hoje um dado novo e que se prende com a capacidade amplificadora que os meios de comunicação digital e, em especial, as redes sociais, vieram trazer à propagação desses estados emocionais. Seja de forma “orgânica” ou “premeditada”, as redes sociais têm sido um terreno fértil para a disseminação de “narrativas” cujos efeitos se têm repercutido em diversas instâncias da vida colectiva e, por tabela, nos mercados financeiros também.
É neste contexto que se impõe a leitura (ou re-leitura) do mais recente livro do Prémio Nobel de Economia de 2013 Robert Schiller intitulado “Narrative Economics: How Stories Go Viral and Drive Major Economic Events” (Princeton University Press. 2019). Pioneiro e figura central da área disciplinar designada por “economia comportamental”, neste livro Robert Schiller dá continuidade a obras anteriores como “Animal Spirits: How human psychology drives the economy and why it matters for global capitalism” na qual explorava o papel desempenhado pelas emoções nos processos de tomada de decisão económica.
Ao contrário do que aconteceu no passado, existe hoje um dado novo e que se prende com a capacidade amplificadora que os meios de comunicação digital e, em especial, as redes sociais, vieram trazer à propagação desses estados emocionais
Agora, ampliando essa investigação, e socorrendo-se das mais recentes investigações em campos tão diversos como as neurociências, a psicologia, a antropologia e mesmo os estudos literários, Schiller explica porque os economistas precisam de compreender que a severidade das crises económicas pode resultar, em muitas circunstâncias, da prevalência e visibilidade das “histórias contadas sobre elas” – ou seja, das “narrativas” geradas – as quais se propagam como doenças contagiosas, determinando comportamentos e influenciando a tomada de decisões.
Schiller foi fortemente influenciado pelo trabalho pioneiro dos psicólogos e economistas Amos Tversky e Daniel Kahneman os quais, nas décadas de 1970 a 1980, estabeleceram os “fundamentos cognitivos” que levam à ocorrência de “enviesamentos emocionais” no processo de tomada de decisões individuais. Opondo-se à teoria prevalecente (Efficient Markets Hypothesis), que defende que o investidor e as suas decisões são racionais, Amos Tversky e Daniel Kahneman demonstraram que investidores ( e os “agentes económicos” em geral) têm de ser vistos como pessoas “normais” e não supostamente “racionais”, têm limites para o seu auto-controle, são influenciados pelos seus próprios vieses e cometem erros cognitivos que podem levá-los a tomar decisões erradas.
A investigação por eles desenvolvida, cujas implicações foram reconhecidas como tendo profundas implicações para o mundo das finanças, levou a que Kahneman recebesse o Prêmio Nobel de Economia em 2002. Daniel Kahneman viria a publicar aliás, recentemente, um livro – “Pensar, Depressa e Devagar” (Ed. Temas e Debates) – considerado um dos estudos mais importantes da última década, no qual, tal como Schiller, torna claro que, de acordo com o que as neurociências contemporâneas têm demonstrado, a ideia do “homo economicus” enquanto “actor racional” assenta numa ideia de “racionalidade” sem qualquer relação com o que a ciência hoje sabe, em particular, depois dos estudos pioneiros do neurocientista António Damásio (ver “O Erro de Descartes” e obras subsequentes).