Carolina Mabote, 55 anos, vende roupa no mercado no Xikelene, na periferia de Maputo, há 10 anos, mas desde que o estado de emergência foi decretado devido ao novo coronavírus a luta para sustentar a família passou a ser um risco.
Com o pouco que ganha na azáfama de Xiquelene, Carolina Mabote sustenta os cinco filhos e sete netos, mas o dia-a-dia nas últimas semanas não tem sido fácil: é preciso enfrentar o risco de contrair a doença e fugir das autoridades, que proíbem aglomerações de pessoas, em cumprimento das medidas do estado de emergência.
“Não consigo muito, mas o pouco, compro energia e pago água, mas a polícia municipal está a perseguir-nos com chambocos [bastões]. Agora não sei como vamos viver assim”, lamenta Carolina Mabote à Lusa.
Apesar de não impor limitações à circulação, o estado emergência em Moçambique, que começou em Abril e foi prorrogado até finais de maio, proíbe aglomerações superiores a 20 pessoas e exige máscaras em locais públicos para conter a propagação do novo coronavírus, mas nos mercados informais é quase impossível, principalmente na periferia.
A polícia moçambicana já deteve um total de 899 pessoas pelo crime de desobediência durante o estado de emergência e a maior parte destes casos está relacionada com comerciantes e consumidores de bebidas alcoólicas detectados em locais públicos.
Assumimos que houve algumas actuações esporádicas que configuraram excesso de zelo profissional por parte de alguns agentes, casos esses que foram rapidamente corrigidos e alguns indivíduos foram responsabilizados
“Assumimos que houve algumas actuações esporádicas que configuraram excesso de zelo profissional por parte de alguns agentes, casos esses que foram rapidamente corrigidos e alguns indivíduos foram responsabilizados”, disse aos jornalistas na quinta-feira Orlando Mudumane, porta-voz do Comando Geral da polícia moçambicana.
Nas esquinas de Xiquelene é possível ver grandes aglomerações de vendedores, maior parte destes sem qualquer tipo de protecção, seja máscara ou desinfectante.
O passeio é um dos lugares favoritos para os vendedores ambulantes, uma vez que permite fuga rápida em caso de presença policial.
Carolina Mabote deambula o dia todo no meio da multidão com seu saco na cabeça, promovendo as roupas, enquanto tenta se esconder das autoridades.
“Para comer, nós temos de ir à rua”, frisa Carolina Mabote, admitindo, no entanto, que o medo do novo coronavírus existe.
“Normalmente, eu conseguia ter pelo menos 50 meticais diariamente, mas agora fico aqui, com a máscara, mas ninguém compra. Chego em casa as crianças choram, com fome. Se o Governo nos ajudasse, eu não viria aqui morrer de fome, levar porrada e sem dinheiro”, lamenta a comerciante.
Não muito longe dali, Armando Zacarias, de 24 anos, tem um carro onde vende produtos de limpeza e desinfectantes desde o início do ano.
O negócio não tem estado muito bom, porque não se quer investir na compra (a grosso) dos produtos por receio de eventualmente fechar-se os mercados
Apesar de os produtos desinfectantes tenham ganhado mais mercado em detrimento dos de limpeza, o negócio não tem fluido bem devido ao receio de enceramento do mercado a qualquer momento.
“O negócio não tem estado muito bom, porque não se quer investir na compra (a grosso) dos produtos por receio de eventualmente fechar-se os mercados”, disse Armando Zacarias à Lusa.
O carro de Armando ajuda-o a sustentar um agregado de quatro pessoas, pelas quais tem de enfrentar o medo e arriscar a saúde para ter sustento diário.
“Medo tenho, mas por conta da situação que a vida nos leva temos de estar sujeitos a este problema, nós já vivíamos com dificuldades, isso só veio acrescentar os problemas”, comentou.
“Alguns estão aqui por força do hábito, outros estão a trabalhar. Há crianças que podem ficar em casa, mas mesmo assim se expõem no mercado sem nenhuma necessidade”, reclama.
Moçambique vive em estado de emergência desde 01 de Abril e até final de Maio, com espaços de diversão e lazer encerrados, proibição de todo o tipo de eventos e de aglomerações, recomendando-se a toda a população que fique em casa, se não tiver motivos de trabalho ou outros essenciais para tratar.
Durante o mesmo período, há limitação de lotação nos transportes colectivos com obrigatoriedade do uso de máscaras, as escolas estão encerradas e a emissão de vistos para entrar no país está suspensa.
A nível global, segundo um balanço da agência de notícias AFP, a pandemia de covid-19 já provocou cerca de 271 mil mortos e infectou quase 3,8 milhões de pessoas em 195 países e territórios.
Agência Lusa