O continente africano depara-se com grandes desafios e hoje as atenções estão viradas para aquele que parece ser o maior de todos, a pandemia do novo coronavírus (covid-19). Sem grandes expectativas de ajuda de doadores, os génios tecnológicos do continente estão a inventar soluções rápidas e baratas para travar a propagação da doença.
A inovação e o engenho não são nada de novo em África, um continente onde a população está habituada a fazer o melhor possível para a sua sobrevivência com parcos recursos. Desde ferramentas agrícolas caseiras a veículos encontrados em celeiros da África do Sul, passando por um rapaz que construiu um moinho a partir de sucata numa aldeia do Malawi ao popular sistema de pagamento móvel M-Pesa.
Uma startup do Zimbabué, a Fresh in a Box, está a distribuir produtos frescos ao domicílio, directamente dos agricultores, ajudando a reduzir os riscos de infecção e fome
A pandemia do covid-19 está a limitar ainda mais os já escassos recursos do continente. E não se espera muita ajuda dos doadores ocidentais, cujas economias também estão a ser afectadas sobremaneira pelo surto. Startups em todo o continente estão a encontrar soluções inovadoras, mesmo para as necessidades mais básicas e temporárias.
Ventiladores
A Covid-19 ataca principalmente o sistema respiratório. Pessoas com sintomas graves têm dificuldades em respirar e o apoio nessa função vital tem sido o recurso à ventilação artificial. Em África, no entanto, há muito poucas unidades de cuidados intensivos equipadas com estas máquinas, e ainda assim, nem de longe vão poder satisfazer a uma demanda caso os números de casos graves se tornem astronómicos como são na Europa e Estados Unidos da América.
Não é um problema exclusivamente africano, pois países industrializados como os Estados Unidos e a Alemanha pediram aos fabricantes de automóveis que produzam ventiladores em massa. Com a procura a exceder largamente a produção, países como a África do Sul, o Gana e o Uganda começaram a procurar formas de produzirem os seus próprios ventiladores, algo que se restringe à minoria das maiores economias do continente.
Vincent Ssembatya, um professor da Universidade de Makerere, em Kampala, no Uganda, juntou-se a uma outra história de sucesso, a fabricante automóvel Kiira Motors, com o único objectivo de produzir ventiladores a um preço acessível para fornecer o sistema de saúde em dificuldades.
“Todas as pessoas precisam do mesmo produto e África tem hipóteses muito reduzidas”, referiu Ssembataya à DW.
Uma equipa da Academic City University College, em Accra, no Gana, desenvolveu um protótipo, mas luta com dificuldades financeiras para adquirir mais componentes para que o equipamento esteja pronto para ser testado e certificado.
A inovação e o engenho não são nada de novo em África, um continente onde a população está habituada a fazer o melhor possível para a sua sobrevivência com parcos recursos
Na Nigéria, a rede de investimento não-lucrativa Africa Business Angel Network está a trabalhar noutro protótipo, enquanto um fabricante automóvel local, Innoson Motors, pôs de lado a sua produção para fabricar ventiladores. Segundo o serviço de distribuição de sangue LifeBank, a Nigéria tem cerca de 100 ventiladores que são propriedade de unidades de saúde privadas.
Entretanto, na África do Sul, o Projecto Ventilador Nacional, controlado pelo Governo, planeia produzir 10 000 máquinas até ao final de Junho, utilizando materiais produzidos localmente ou já disponíveis no país.
Aplicações móveis e soluções web
Depois da maratona tecnológica da semana passada – a primeira “hackaton” da Organização Mundial de Saúde (OMS) – a OMS disponibilizou 18 400 euros aos finalistas com soluções digitais para conter a propagação da pandemia.
A equipa vencedora do Gana desenvolveu uma ferramenta que mapeia casos, à semelhança do Centro de Recursos do Coronavírus da Universidade Johns Hopkins. A diferença é que a nova ferramenta é capaz de classificar os casos de acordo com o risco e enviar os dados às autoridades nacionais.
Na Nigéria, a plataforma de saúde Wellvis lançou uma aplicação móvel, de fácil utilização, denominada COVID-19 Triage Tool (Ferramenta de Teste Covid-19) que permite ao utilizador auto-avaliar a sua categoria de risco com base nos seus sintomas e historial de exposição ao novo coronavírus. Dependendo das respostas, o utilizador recebe aconselhamento médico à distância ou é encaminhado para a unidade de saúde mais próxima.
O Governo sul-africano recorre ao Whatsapp para gerir um chatbot interactivo para responder a questões frequentes sobre mitos, sintomas e tratamento do covid-19. A ferramenta já chegou a milhões de utilizadores, em cinco línguas diferentes.
Também na África do Sul, num esforço para travar as “fake news” e evitar o pânico, dois ex-alunos da Universidade da Cidade do Cabo criaram a Coronapp, uma ferramenta que centraliza o fluxo de informação sobre a pandemia.
No final de Março, a Redbird, uma startup de saúde do Gana, lançou um dispositivo que permite aos utilizadores reportarem os seus sintomas na aplicação para o browser do computador, sem ser preciso ir a uma unidade de saúde. A CcHub, a maior incubadora tecnológica de África, também disponibilizou um fundo e apela a mais projectos tecnológicos.
Transferências móveis
O uso de serviços de transferência de dinheiro através do telemóvel já está dinamizado pelo continente. A plataforma do Quénia M-Pesa é utilizada por mais de 20 milhões de pessoas. A gigante de telecomunicações Safaricom, dona da M-Pesa, suspendeu as taxas de utilização nas transferências abaixo dos 1 000 xelins, enquanto a Airtel deixou de cobrar todos os pagamentos através da sua plataforma Airtel Money.
O Banco Central do Gana pediu aos prestadores de serviços que eliminem as taxas nas transacções abaixo dos 100 cedi, permitindo aos cidadãos abrir mais do que uma conta.
Produtos alimentares ao domicílio
Os confinamentos nacionais na África subsaariana são sinónimo de dificuldades em pôr comida na mesa. A medida visa travar a propagação do covid-19, mas também paralisa tudo o resto, incluindo o fornecimento de produtos alimentares aos mercados tradicionais.
Em muitas cidades do sul do continente, os mercados são essenciais para o abastecimento diário da população, ao contrário do que acontece em muitos países europeus, onde os cidadãos podem armazenar comida.
Uma startup do Zimbabué, a Fresh in a Box, está a distribuir produtos frescos ao domicílio, directamente dos agricultores, ajudando a reduzir os riscos de infecção e fome. O negócio funciona através de uma aplicação e as caixas de comida são transportadas em motorizadas de três rodas.
No Uganda, a aplicação Market Garden permite aos vendedores vender e distribuir frutas e vegetais aos clientes, enquanto as restrições para promover o distanciamento social estão em vigor. Desenvolvida pelo Instituto para a Transformação Social, uma instituição de caridade ugandesa, a aplicação reduz as multidões nos mercados, permitindo aos vendedores venderem os seus produtos a partir de casa. Moto-táxis fazem as entregas aos clientes.
Já a gigante africana de comércio online Jumia pôs ao dispor dos governos a utilização da sua extensa rede de distribuição para o abastecimento de unidades de saúde e trabalhadores.