O extraordinário declínio da actividade económica em todo o mundo empurrou o preço de entrega de Maio do petróleo intermediário do oeste do Texas para território negativo esta segunda-feira, um cenário nunca antes visto que implica, hipoteticamente, que os produtores de petróleo teriam que pagar aos compradores para levar um barril de petróleo das mãos.
É teórico o cenário, claro. Mas a verdade é que o mundo está com um tal excesso de petróleo que quase já não há lugar para colocar barris adicionais. E como ninguém está a comprar, os preços afundaram para os -37,63 dólares por barril com que fechou o mercado (depois de ter chegado a fixar-se em 40 dólares negativos), uma quebra de 305,97%, algo nunca visto.
A oferta de crude nos mercados tem sido cada vez mais excedentária face à contínua queda da procura, decorrente da menor utilização de viaturas e da quebra da actividade económica por força da pandemia de covid-19. E, à falta de espaço de armazenamento em terra, muitas empresas estão já a recorrer aos superpetroleiros.
os preços afundaram para os -37,63 dólares por barril com que fechou o mercado (depois de ter chegado a fixar-se em 40 dólares negativos), uma quebra de 305,97%, algo nunca visto.
O crude que está neste momento guardado no mar atingiu já um novo recorde de 160 milhões de barris (o dobro do nível de há duas semanas), comentaram à Reuters fontes do sector na passada sexta-feira.
O Brent do Mar do Norte, negociado em Londres e referência para as importações portuguesas, segue a perder 5,73% para 26,47 dólares por barril.
Mas, em Nova Iorque a queda seria muito mais expressiva, com o contrato de Maio do West Texas Intermediate (WTI), “benchmark” para os Estados Unidos, a afundar para um mínimo histórico.
O valor de 9,75 dólares tinha sido a cotação intradiária mais baixa desde que os futuros do petróleo foram lançados em 1983 no mercado nova-iorquino de matérias-primas (NYMEX, que faz parte do CME Group). Ou seja, desde a Administração Reagan que o crude não estava tão barato. O Brent, por seu lado, começou a ser negociado em Londres, no International Petroleum Exchange, em 1988.
O valor de fecho mais baixo de sempre do WTI foi atingido em Março de 1986, nos 10,42 dólares por barril.
Excesso de oferta e falta de espaço de armazenamento
O problema da falta de armazenamento está a afectar sobretudo os produtores norte-americanos, que, segundo a Bloomberg estão perto de ter de pagar para os clientes ficarem com o petróleo que estão a extrair. No Texas estão a oferecer apenas 2 dólares por barril.
“Com o espaço de armazenamento a encher, o preço do petróleo para entrega imediata afundou”, comentou à ProActiveInvestors um analista do Saxo Bank, Ole Hansen. O spread de quase 22 dólares entre os contratos de maio e de junho é um claro sinal de que os traders de petróleo físico não têm espaço disponível, acrescentou.
O contrato de junho do WTI chegou a cair 9% para 22,70 dólares por barril.
O Saxo considera que só uma forte alteração nos fundamentais – como os produtores serem obrigados a parar ou haver uma melhoria significativa do lado da procura – poderá agora travar esta queda dos preços.
Há muito que o diferencial (spread) entre os dois principais tipos de crude não era tão alargado. Historicamente, o WTI costumava valer mais 2 a 4 dólares do que o Brent, sobretudo devido aos custos do transporte de crude para os EUA e ao menor teor sulfúrico e baixa viscosidade deste tipo de petróleo (daí que o WTI seja um “light sweet crude”).
No entanto, esta tendência inverteu-se nos últimos anos e o Brent tem estado com elevados diferenciais de sempre face ao seu congénere dos EUA. Este “spread” está agora em torno de 25 dólares – a diferença mais elevada de sempre (o recorde tinha sido na casa dos 22 dólares em Junho de 2011).
Uma das razões para este actual prémio do preço do Brent está no facto de os inventários de crude em Cushing (Oklahoma) – onde o WTI é armazenado – estarem em níveis mais elevados do que o necessário para a indústria, começando a ficar sem espaço.
Em Cushing já só há espaço para mais 21 milhões de barris e deverá ficar esgotado em maio. E este fator está a provocar um movimento de pânico junto dos investidores, comentou à CNN Business o diretor do departamento dos mercados petrolíferos na Rystad Energy, Bjornar Tonhaugen.
Uma vez que Cushing funciona como o ponto de fixação do preço do WTI, o aumento das reservas coloca uma pressão negativa nos preços ‘spot’, o que origina o chamado fenómeno do contango – quando os contratos de futuros têm preços superiores aos de entrega imediata.
Saliente-se que é em Cushing que é armazenado o petróleo transaccionado no NYMEX e este excedente faz cair os preços locais do crude em relação ao ouro negro que é entregue noutras regiões do mundo.
Na semana passada, a Administração Trump disse estar a ponderar pagar aos produtores petrolíferos norte-americanos para deixarem o crude nos poços. Ou seja, quer pagar para que as perfuradoras não trabalhem.
Por seu lado, a AIE sublinhou que os EUA registarão uma queda “sem precedentes” na sua produção de petróleo este ano devido aos baixos preços – que dificultam grandemente a vida às empresas do “shale oil” [petróleo extraído das rochas de xisto betuminoso].
Outro dos factores que pressionou o mercado prende-se com o vencimento do contrato de futuros de Maio do WTI já hoje, terça feira. Os traders tendem a vender futuros prestes a expirar para comprarem contratos com prazo de validade mais longo.
Outro dos factores que pressionou o mercado prende-se com o vencimento do contrato de futuros de Maio do WTI já hoje, terça feira. Os traders tendem a vender futuros prestes a expirar para comprarem contratos com prazo de validade mais longo.
Além disso, os inventários de crude nos EUA não param de aumentar. As reservas norte-americanas de crude aumentaram em 19,2 milhões de barris há duas semanas, anunciou na passada quarta-feira o Departamento norte-americano da Energia. Foi o maior incremento semanal desde que estes dados começaram a ser compilados, em 1982.
Os inventários de crude dos EUA estão agora acima de 500 milhões de barris – pela primeira vez desde junho de 2017, segundo os dados da ClipperData.