Para ajudar a combater a pandemia do novo coronavírus, governos de vários países – da China à Índia, de Israel aos EUA, da África do Sul à União Europeia – estão a recorrer, cada vez mais, a tecnologias que permitem monitorizar, com maior detalhe e precisão, a vida dos seus cidadãos.
Para isso, recursos como pulseiras electrónicas, redes de câmaras de vigilância com sistemas de reconhecimento facial, drones equipados com câmaras térmicas para medir à distância a temperatura e uma multiplicidade de aplicativos para smartphones fazem parte de um arsenal que não para de aumentar e de se diversificar.
“A Indústria dos dados é hoje não só considerada mais valiosa do que a do petróleo, bem como constitui a base do ‘capitalismo digital'”
Embora, neste momento, perante a situação de emergência que se vive, a utilização destas “tecnologias de vigilância” esteja a ser aceite pelas populações como uma ferramenta útil no combate à pandemia, várias organizações internacionais estão a lançar alertas antecipando a possibilidade de que, passado o “Estado de Emergência”, estas tecnologias, claramente invasivas da privacidade individual, possam continuar a ser utilizadas.
E mesmo a União Europeia – através do European Data Protection Board – já veio a público, por diversas vezes, alertar para a necessidade de garantir que a colecta e o utilização de dados dos seus cidadãos, para efeitos do combate ao coronavírus, se faça no quadro da legislação existente de protecção dos “direitos e liberdades fundamentais” no que toca à sua privacidade.
De acordo com o Digital Rights Tracker, um website criado por uma organização fixada no Reino Unido e que acompanha a evolução, a nível mundial, do uso destas “tecnologias de vigilância”, existem actualmente pelo menos 25 países que estão a desenvolver programas massivos de controle dos seus cidadãos. Muitos deles apresentam configurações que indiciam que o seu desenho está a ser concebido na perspectiva de continuar a ser utilizado no período pós-pandemia.
O índice do Digital Rights Tracker, que contém informação detalhada por região do mundo e também por país, mostra que as “tecnologias de vigilâncias” estão a ser implementadas tanto por regimes autocráticos como democráticos.
De acordo com Ron Deibert, do Citizen Lab, da Universidade de Toronto (Canadá), em declarações ao jornal “Guardian”, “é preciso estar muito alerta” porque esta pandemia oferece um potencial para implementar sistemas de vigilância globais muitíssimo superior ao que aconteceu a seguir ao 11 de Setembro, até porque, ao invés do que então acontecia, a Indústria dos Dados (Big Data) é hoje não só considerada mais valiosa do que a do petróleo, bem como constitui a base do que a Shoshana Zuboff, da Harvard Bussiness School, designou de o modelo em que assentará o “capitalismo digital” do século XXI (“The Age of Surveillance Capitalism”, 2019).