Nesta época de crise causada pela pandemia da Covid-19, os artistas moçambicanos Selma Uamusse, Ivan Mazuze, Michel William, Venâncio Calisto e Cri Essencia, na Europa, falam das suas lutas, do seu estado de espírito, sugerem uma actuação dos governos em relação aos artistas e argumentam por que a arte sobreviverá à pandemia.
Um pouco por todo o mundo há artistas moçambicanos que, à imagem dos que vivem no país, enfrentam dias de lamúria em confinamentos domiciliares. Sem puderem apresentar-se em público como é habitual, muitos deles cumprem as medidas de distanciamento social permanecendo em suas casas, procurando sempre alternativas para superar as restrições impostas pelo isolamento social. Este é o caso de Selma Uamusse, que vive em Portugal há vários anos. Para a cantora habituada, a expor os seus trabalhos nos palcos, esta há mais de três semanas em quarentena social que tem sido angustiantes e de muita ansiedade.
A fim de superar a situação, a autora do álbum Mati (do rhonga, água em português), tem exercitado a fé e procurado criar uma rotina para não ficar perdida.
“Há que aproveitarmos esta ocasião para encontrarmos respostas sobre o que será o nosso futuro como seres humanos”
“Tento acordar cedo, rezar, comunicar-me com Deus”. Simultaneamente, porque o trabalho não pára e não deve parar, Selma Uamusse tem utilizado as redes sociais para se conectar com os outros artistas, através de aplicações que lhe permitem fazer vídeos-conferências com a sua banda e com sua agência.
Neste isolamento, explica Selma Uamusse, tem escrito mais e aproveitado para fazer trabalhos online, como se pretende, cumprindo com todas as regras de segurança sanitária. Um desses trabalhos tem a ver com a consciencialização da população. Em Portugal, a artista faz parte de um movimento que sensibiliza as pessoas a ficarem em casa, pois, na sua percepção, esse é o acto mais generoso que se pode ter. Assim, acredita, a vida poderá voltar rapidamente à normalidade.
Apesar do isolamento social ser angustiante para os artistas, Uamusse vê algo de positivo nesta crise.
“Penso que o facto de o mundo inteiro estar a viver de forma muito presente a luta contra a pandemia nos faz lembrar que nós somos todos iguais, não importa o credo, a etnia, a idade ou o extracto social. Este é um vírus que nos toca a todos. Por isso, temos de nos amar uns aos outros, não só de uma forma filosófica ou espiritual, mas de uma forma muito prática”, apela.
O altruísmo defendido por Uamusse é reforçado por Venâncio Calisto, actor e encenador que se encontra a fazer um mestrado em Teatro e Comunidade na Escola Superior de Teatro e Cinema do Instituto Politécnico de Lisboa.
Segundo entende o artista, é importante que a Humanidade, mais do que nunca, perceba que cada um precisa do contributo do seu próximo. Paralelamente, Calisto adianta que pior do que a doença é o pânico que se tem sobre ela.
Um pouco por todo o mundo há artistas moçambicanos que, à imagem dos que vivem no país, enfrentam dias de lamúria em confinamentos domiciliares
“Temos de quebrar o pânico e levar mensagens de esperanças às pessoas. A campanha poética e criativa é fundamental, porque nós só podemos resistir a isto se estivermos unidos e se espalharmos luz pelo mundo”, disse, e Selma Uamusse acrescenta que “este é também o momento de nós percebermos as diferenças que existem porque os continentes enfrentam a crise de forma diferente. As condições de saúde e higiene também são diferentes. Precisamos de estar mais iguais no acesso à saúde e às plataformas de protecção”.
Enquanto não se alcança essa igualdade, Ivan Mazuze, saxofonista, compositor, director-artístico e consultor cultural residente na Noruega, aconselha a, neste momento de inactividade mundial, uma reflexão sobre àquilo que a Humanidade é, individualmente e colectivamente, que se deve apostar.
“Há que aproveitarmos esta ocasião para encontrarmos respostas sobre o que será o nosso futuro como seres humanos”, disse.
Nos últimos dois meses, as actividades artísticas de Ivan Mazuze foram todas adiadas para o segundo semestre deste ano. Entretanto, não há nenhuma certeza se de facto irão se realizar. Tudo dependerá do desenrolar das batalhas contra a pandemia nos próximos meses. Assim, como músico, para superar os dissabores, Mazuze tem aproveitado o tempo para estudar e investigar.
“É uma oportunidade de os artistas usarem o tempo livre que todos têm para a criatividade. Devemos criar novas obras”, mesmo para superar o desemprego a afectar os artistas e produtores culturais de todo mundo.
Quem também sente o impacto da pandemia, como músico, é Michel William, que também vive em Portugal. O autor do disco “I’ve got a plan” explica que é difícil para os artistas perceberem que o trabalho e todo o plano semestral vai abaixo.
“No meu caso específico, o cancelamento de concertos tem um impacto financeiro negativo”, lamentou.
“Temos de quebrar o pânico e levar mensagens de esperanças às pessoas. A campanha poética e criativa é fundamental, porque nós só podemos resistir a isto se estivermos unidos e se espalharmos luz pelo mundo”
Devido às circunstâncias actuais, William aproveita para criar, trabalhar, estudar e reinventar-se, convicto de que o impacto pandémico será prejudicial para muitas famílias, sobretudo para os mais desfavorecidos. Na óptica do músico, a Covid-19 trará muito mais desigualdade ao mundo e, quando passar, deixará uma ferida nos corações e nas memórias das pessoas.
“Deixará também uma ferida naqueles que perderem os seus familiares, nos que perderam as suas fontes de sustento, nos que hoje nomeamos como heróis e que neste momento arriscam as suas vidas para salvar os mais afectados e infectados pela Covid-19, nomeadamente os médicos, enfermeiros, assistentes, forças de segurança e todos os restantes”, referiu.
Nesta época, garante Michel William, a empatia e solidariedade são valores que serão postos à prova.
“Mas acredito que é quando enfrentamos os maiores desafios e os vencemos que crescemos e ficamos mais fortes. Acredito que vamos superar”, disse.