Medo. Do COVID-19 e de um amanhã que ninguém consegue prever. A necessidade de continuar a manter os lugares de topo no que respeita a previsões financeiras assemelha-se às previsões dos astrólogos para 2020. Enganaram-se todos.
Ninguém sabe o que o futuro nos reserva. E se há algo que deixa o ser humano perturbado, inquieto, vulnerável, inseguro é a incapacidade de controlar aquilo que lhe acontece. É não saber o que se segue e se estamos devidamente apetrechados para dar esse mesmo passo.
No meio desta experiência humana dramática, onde a relação com a morte e com a perda se tem manifestado das mais variadas formas porque apela ao nosso instinto de sobrevivência mais básico, continuamos a ouvir falar da Indústria 4.0. A quarta revolução industrial. Um composto de sistemas cognitivos computorizados, tecnologia smart, automação e partilha de dados, entre outras combinações de interfaces do mais variado tipo.
Ao assistir às mudanças sociais e humanas diárias, com um impacto na história individual e colectiva ainda por calcular, interrogo-me — mais uma vez — sobre os riscos sociais e humanos de continuarmos a depositar uma confiança acrítica nos sistemas e a desinvestir nas áreas nas quais nenhuma máquina será capaz de competir com o humano: na área da criatividade e na resiliência e capacidade de gerir o inesperado.
A cultura do mesmismo, com as mesmas soluções para todos, falha diariamente porque as sociedades são feitas de pessoas. Um breve olhar sobre o cumprimento das orientações da Organização Mundial de Saúde em diferentes países -naqueles sobre os quais mais se fala- deixa-me, no mínimo, sem palavras.
O valor da vida varia assustadoramente de país para país e as causas das mortes também. Se uns não tinham como se proteger (ou fugir?), outros houve -e há- que confiam plenamente que estão imunes às circunstâncias e acabam por sucumbir por excesso de confiança.
Num mundo que até agora tem sido altamente dividido e polarizado, há algo que nasce por entre os escombros da falha do mesmismo, algo tão importante como águas mais limpas, ar mais puro, peixes e golfinhos em lugares de onde pareciam extintos.
Nestes tempos de incerteza, medo, perda acontece a aprendizagem e surge uma força humana que se baseia exclusivamente em valores e na noção de que cuidar de nós depende diretamente de cuidar do outro
Nestes tempos de incerteza, medo, perda acontece a aprendizagem e surge uma força humana que se baseia exclusivamente em valores e na noção de que cuidar de nós depende diretamente de cuidar do outro.
Se por um lado o poder da informação é testado e forçado a ser partilhado, obrigando a agendas de e-diplomacia inesperadas (mais uma vez para uma situação em que só alguns governos se prepararam para o caso de surgir uma crise ou emergência), por outro surgem iniciativas que têm dado lições de civismo, de criatividade e de capacidade de transformação que a muitos países falta — faltará.
Estivemos juntos para a Beira. Hoje estamos juntos para Moçambique, em gestos de criatividade com potencial transformador que importa agarrar. Porque desta situação importa aprender que o tempo não é o mesmo para todos e que por isso, as soluções não podem ser as mesmas para todos.
Se assim é, importa olhar para dentro, para o potencial local, na vez de nos perdermos no olhar do mesmismo. A tecnologia é importante. Mas mais importante é aquilo que fazemos com ela, e o que somos capazes de fazer sem ela quando a luz vai abaixo.