Ainda não terminou a primeira das três semanas de quarentena e já se acumulam casos de brutalidade policial, de falta de comida e abrigo e até de mortes. “A maioria dos migrantes já não tem condições financeiras para viver lá por causa da renda e da falta de oportunidades de trabalho. Vários milhares estão presos nas fronteiras estaduais”, conta uma professora de Bombaim.
Já é descrita como uma das maiores migrações na história moderna da Índia. Após o anúncio de uma quarentena nacional de 21 dias, centenas de milhares de trabalhadores migrantes iniciaram longas jornadas de regresso a casa, a pé.
Com o encerramento súbito de muitos negócios, ficaram sem trabalho nem teto, uma vez que grande parte deles comia e dormia onde trabalhava. Em menos de uma semana, mais de uma dezena destes trabalhadores morreu, revelam os hospitais. A quarentena foi decretada na última terça-feira pelo primeiro-ministro, Narendra Modi, quatro horas antes da sua entrada em vigor.
Segundo os dados mais recentes, há 1 071 casos confirmados de infecção com coronavírus e 29 mortes na Índia
A medida tem como objectivo conter a propagação do novo vírus corona e visa toda a população do país, ou seja, 1,3 mil milhões de pessoas, o que equivale a quase um quinto da população mundial.
No entanto, os mais afectados são aqueles que se mudaram para as grandes cidades para conseguirem trabalho (e agora se veem privados de abrigo e ganha-pão) e os milhões de indianos que vivem em bairros de lata, onde dezenas de pessoas partilham os mesmos espaços, não havendo quaisquer condições para assegurar o distanciamento social.
A quarentena, que inclui uma proibição de viagens interestaduais, deixou a população migrante encalhada nas metrópoles e à mercê da brutalidade policial.
“Há relatos de terror vindos das grandes áreas metropolitanas. A maioria dos migrantes já não tem condições financeiras para viver lá por causa da renda e da falta de oportunidades de trabalho”, conta a professora Archana Solanki. “Vários milhares estão presos nas fronteiras estaduais em muitas partes do país”, acrescenta, a partir de Bombaim, a capital financeira da Índia e do estado de Maharashtra, onde se têm registado os números mais elevados de casos de infecção da Covid-19.
“Isto aconteceu hoje”, conta Solanki, partilhando um vídeo que mostra um grupo de migrantes a ser fumigado com uma solução química antes de ser autorizado a entrar na cidade de Bareli.
“Estas imagens provocaram um enorme furor e denúncias de comportamento desumano das autoridades em relação aos pobres”, diz a professora, que actualmente colabora com a Teach For India. Trata-se de uma organização sem fins lucrativos que recruta licenciados e profissionais de ensino para trabalharem com alunos desfavorecidos. “Com as escolas encerradas, estamos a tratar de tudo por telefone e computador. Os estudantes enviam-nos uma fotografia dos seus trabalhos de casa, nós corrigimo-los e enviamo-los de volta”, explica.
Pacote de ajuda pode não chegar aos que mais precisam
O jornal “The New York Times” escrevia este domingo que “milhares de migrantes em Nova Deli, incluindo famílias inteiras, enfiaram as suas panelas e cobertores em mochilas, alguns equilibrando crianças nos ombros, e caminharam por estradas interestaduais”. “Alguns planeavam caminhar centenas de milhas. Mas, ao chegarem à fronteira de Deli, muitos foram agredidos pela polícia” e obrigados a interromper a marcha, prossegue o diário.
A medida é para conter a propagação do vírus e abrange toda a população do país, ou seja, 1,3 mil milhões de pessoas, o que equivale a quase um quinto da população mundial e ao total da população africana
Apesar das ordens do Governo central para permitir o transporte de bens essenciais, como comida e medicamentos, durante a quarentena, muitos vendedores queixam-se que os seus camiões de entregas estão a ser parados pela polícia e as suas lojas obrigadas a fechar.
No sábado passado, milhares saíram às ruas no estado de Querala, no sul do país, alegando que não comiam há vários dias. As forças de segurança exortaram-nos a dispersar para sua própria segurança. No dia seguinte, o Executivo de Modi ordenou que os estados encerrassem as fronteiras e que os migrantes permanecessem onde se encontravam, refere ainda o “Times”.
A Índia, que já tem uma das maiores populações de sem-abrigo do mundo, viu a situação agravar-se nos últimos dias, garantem trabalhadores de organizações não-governamentais.
Ao segundo dia de quarentena, o Governo anunciou um pacote no valor de 20 mil milhões de euros para ajudar os milhões de pessoas que ficaram sem trabalho. Contudo, ainda não é claro de que forma essa assistência chegará aos que dela mais necessitam. A ajuda pressupõe um registo nas bases de dados nacionais ou uma morada, requisitos que muitos migrantes não cumprem.