Porque é que as pinturas de Edward Hopper (1882 – 1967) se tornaram subitamente virais em tempos de quarentenas e “distanciamento social”? Sem dúvida porque o tema dominante das suas obras foi a solidão.
E a forma poderosa como a retratou – uma mulher solitária numa sala de cinema vazia, figuras anónimas dispersas em volta do balcão de uma cafeteria, como se cada uma delas estivesse “só” apesar da presença dos outros, personagens que olham, solitariamente, através da janela do seu quarto para cidades quase vazias, etc. – parece ter uma ressonância directa com a experiência de “distanciamento social” que marca hoje a vivência de milhões de pessoas. Como alguém escreveu numa compilação de quadros de Edward Hopper que tem circulado nas redes sociais, “estamos todos hoje dentro da pintura de Hopper”.
Embora mesmo antes da actual situação várias entidades e organizações de saúde tenham detectado a existência de uma emergente “epidemia de solidão” nas sociedades contemporâneas (devido sobretudo ao estilo de vida dominante), e haja hoje uma abundante literatura sobre o assunto, que analisa as raízes, as componentes de saúde e as consequências sociais e económicas desse fenómeno, muitos especialistas têm vindo agora a público chamar a atenção para a necessidade de, não apenas ter em consideração esta realidade pré-existente mas, sobretudo, agir tendo em mente as situações de quarentena e os danos psicológicos que ela irá ter.
É neste contexto que uma das mais prestigiadas publicações científicas do mundo, a revista “The Lancet” , acaba de publicar um artigo em que procede a uma revisão e síntese de toda a literatura médica existente sobre os danos psicológicos resultantes de períodos de quarentena.
O artigo está estruturado de uma forma clara e numa linguagem que, embora contenha referências mais académicas, é acessível a leigos. Tornando claro que as quarentenas têm, comprovadamente, efeitos psicológicos duradouros nas populações que são sujeitas a este tipo de condinamento forçado, o artigo começa por analisar o impacto que algumas características individuais (história pessoal, posição social, etc. ) podem influenciar a dimensão dos danos psicológicos durante uma quarentena.
Identifica, de seguida, alguns dos factores (“stressors”) que propiciam o desencadeamento de perturbações psicológicas (incerteza quanto à duração da quarentena, medo de ser infectado, ansiedade em relação à continuidade da existência de mantimentos suficientes, ciclos crescentes de revolta, frustração e tédio, desorientação face às informações das autoridades, etc.).
No capítulo subsequente, o artigo revê a literatura médica sobre os efeitos pós-quarentena destacando, em particular, as consequências traumáticas que advêm sobretudo das “perdas financeiras” (falências, desemprego, etc.) e das rupturas que essas perdas geram, normalmente, nas redes sociais tradicionais (amigos, colegas, familiares, etc.)
O artigo dá, por fim, algumas indicações de como mitigar os efeitos psicológicos resultantes de períodos quarentena. Mas é perentório: todos os estudos indicam que os danos psicológicos podem ser substanciais, amplos e variados (stress pós-traumático, depressões profundas, etc.) e duradouros, alertando para o facto de que, a não serem tomados em conta, os seus impactos, a prazo, sobre os indivíduos, os sistemas de saúde e a economia poderão ser quase tão devastadores como a pandemia que esteve na origem da quarentena.