Até agora, em África, estão registados menos de 0,5% do total dos casos de infectados com covid-19 em todo o mundo (1 007 de entre mais de 312 000 infectados já confirmados globalmente).
Depois do primeiro caso detectado em Moçambique ontem, ao fim da tarde, ter revelado o que já se esperava, a questão mantém-se: O país, tal como o continente, de uma forma geral, acabam por surgir na rota do vírus mais de quatro meses depois da sua eclosão, em Wuhan, na China. Claro que a reduzida capacidade de realização de testes por parte de muitos países africanos terá um papel neste número bastante baixo mas, a verdade, é que há outras regiões, na sua maioria no hemisfério sul, que apresentam situações similares de contágio reduzido.

A Índia, onde 320 pessoas foram diagnosticadas e quatro mortes confirmadas devido ao vírus, mostra-se ainda assim, preocupada e até realizou neste domingo, um exercício de recolher obrigatório de dimensões gigantescas, envolvendo mais mil milhões de pessoas e que vai durar 14 horas, e é considerada a maior tentativa do governo indiano para travar a propagação do coronavírus e fazer ver à população que deve seguir as instruções das autoridades sanitárias.
No entanto, tratando-se do segundo país mais populoso do mundo, atrás da China, com números semelhantes a toda a população africana de forma agregada (aproximadamente 1,3 mil milhões de pessoas) é ainda residual o número de casos reportados. Tal como em África, de resto.
Se olharmos à América do Sul, estavam, até este domingo 22 de Março, registados 1 900 pacientes infectados, e tinham-se registado 18 mortes pelo virus.
Os números parecem indicar algo que vai subsistindo como indesmentível: o hemisfério Norte, onde ainda é Inverno tem a vasta maioria dos casos do novo coronavírus, o SARS-CoV-2, registados ao dia de hoje.
Mapa da disseminação do coronavírus, a 22 de março de 2020. A apresentação usa dados periódicos da Universidade John Hopkins e pode não reflectir as informações mais actualizadas de cada país.
FONTE: https://coronavirus.jhu.edu/map.html
Vírus não gosta de calor e humidade
A maioria das doenças respiratórias – como a gripe e as estirpes de rinovírus e coronavírus que causam o resfriado comum – espalham-se mais rapidamente nas condições frias e secas dos meses de inverno.
Ao mesmo tempo, começam a surgir evidências de que temperatura e humidade fazem diferença na capacidade do covid-19 infectar grandes números de pessoas.
No hemisfério Sul, existem casos mas são incomparavelmente mais reduzidos do que o que, actualmente, se vê na Europa e se começa a observar nos Estados Unidos. E, mais do que tudo, o ritmo de contágio parece evoluir a um ritmo mais lento. Os cientistas pensam que isso aconteça devido ao clima quente e à taxa de humidade mais elevada
Sendo impossível simular as condições de Verão nos países actualmente sob o domínio do Inverno pode observar-se o que está a acontecer em locais mais próximos do Equador, onde o clima é mais ameno. Há evidências sugestivas nessa frente há algum tempo.
O caso do Irão
Claro que, a questão da temperatura e da humidade não deve ser vista de forma linear. O Irão é um bom ponto de análise a esse nível. Responsável por cerca de 90% dos casos de coronavírus detectados no Médio Oriente, é um território único na região por estar principalmente numa área geográfica onde as condições de Inverno se assemelham às de países do Norte.

Pelo lado inverso, alguns países do sudeste asiático com ligações estreitas de negócios e turismo com a China viram surpreendentemente surgir poucos casos, mesmo que se possa assumir que os seus sistemas de saúde pública menos desenvolvidos não têm apresentados números relevantes ao nível das infecções, casos da Tailândia, Indonésia ou Filipinas, que têm menos casos do que a Estónia, Eslovénia ou a Islândia, apesar de uma população combinada mais de 100 vezes superior.
Estudo divulgado na semana passada pela MedRxiv sugere que há realmente uma correlação significativa entre os surtos e o clima
Temperatura “é decisiva” para abrandar propagação
Um estudo divulgado na semana passada pela MedRxiv, uma plataforma de partilha de informação médica por parte de investigadores e profissionais da medicina a nível global sugere que há realmente uma correlação significativa entre os surtos e o clima. Em condições de frio extremo, muito quente e húmido, o vírus está “praticamente ausente”. O que pode explicar a situação da Rússia que tem passado quase incólume pelo vírus (367 casos até este domingo e apenas uma morte reportada), escreveram os pesquisadores da Espanha, Portugal e Finlândia, assumindo que ser “improvável” que as pessoas em climas tropicais e polares vejam a transmissão local de casos a tomar as proporções que tem tomado na Europa.
Assim, as regiões áridas terão uma taxa mais elevada de infecções, mas as áreas mais atingidas serão os países temperados e as áreas em altitude mais próximas do Equador.
Em Fevereiro, “o coronavírus espalhou-se com menos força em territórios quentes e húmidos do que em áreas mais frias e secas”
Outro estudo pré-impresso por quatro pesquisadores chineses, de Pequim, publicado na plataforma aberta arXiv de publicação de estudos científicos, no início deste mês, chamdo “High Temperature and High Humidity Reduce the Transmission of COVID-19” chega a uma conclusão semelhante após analisar as taxas de infecção: Segundo a equipa de cientistas das Universidades de Beihang e Tsinghua, durante o mês de Fevereiro, “o coronavírus espalhou-se com menos força em territórios quentes e húmidos do que em áreas mais frias e secas”.
Foram analisados dados de 4 711 pacientes diagnosticados antes de 24 de janeiro, dia em que foram implementadas as medidas de contenção da epidemia que reduziram a transmissão na China.
Os investigadores tiveram em conta a densidade populacional, a riqueza (factores que afectam o risco de contágio) e a quantidade de pessoas que cada portador do coronavírus infecta, em média.
De acordo com o documento, para cada aumento de um grau na temperatura, as infecções por Covid-19 são reduzidas em 3,8% e para cada 1% de aumento na humidade, as infecções foram reduzidas em 2,2%.
“A alta temperatura e a elevada humidade reduzem significativamente a transmissão. Isso indica que a chegada do Verão e da estação das chuvas no hemisfério norte pode reduzir efectivamente a transmissão do covid-19
As conclusões publicadas, apesar de ainda não aprovadas pela comunidade científica mundial, parecem não deixar dúvidas: “A alta temperatura e a elevada humidade reduzem significativamente a transmissão. Isso indica que a chegada do Verão e da estação das chuvas no hemisfério norte pode reduzir efectivamente a transmissão do covid-19”, pode ler-se.
Bons indicadores mas… melhor é seguir os cuidados básicos de segurança
“Na verdade, não temos nenhuma ideia de como o covid-19 vai comportar-se em África”, resume à Science Glenda Gray, pediatra, investigadora em VIH e presidente do Conselho de Investigação Médica da África do Sul.
O que vai seguir-se é ainda uma incógnita. Existe a esperança de que o clima mais quente de muitos países do continente possa funcionar como um travão ao contágio rápido a que se assistiu na China e que tem sido o padrão na Europa ou nos Estados Unidos. Mas o Inverno chegará inevitavelmente a África e, dependendo da região, com mais ou menor impacto ao nível do contágio. Daí a urgência em prevenir desde já, alertando as populações para o cumprimento das regras que têm sido divulgadas pelas organizações de saúde, respeitando a distância de segurança para evitar o contágio e a lavagem constante das mãos.
Um estudo efectuado por uma equipa do MIT indica que o maior número de transmissões tem ocorrido em regiões cujas temperaturas se situam entre os 3 e os 13 graus, enquanto nos países com temperaturas médias acima dos 18 graus registam-se menos de 5% do total dos casos
E há vários estudos preliminares que parecem apontar nesse sentido, mostrando que as temperaturas mais altas possam abrandar a progressão do contágio novo coronavírus.
Um outro estudo, efectuado por uma equipa do MIT aos dados emitidos pelo Coronavírus Research Center da Universidade de Johns Hopkins nos Estados Unidos, a indica que o maior número de transmissões tem ocorrido em regiões cujas temperaturas se situam entre os 3 e os 13 graus Celsius, enquanto nos países com temperaturas médias acima dos 18 graus registam-se menos de 5% do total dos casos.
O mecanismo que faz com que a gripe e os resfriados se espalhem mais rapidamente no Inverno não é, ainda hoje, perfeitamente compreendido. Parece estar relacionado com a forma como as partículas do vírus podem permanecer activas em superfícies como botões do elevador e maçanetas por mais tempo em clima ameno; ou como as pessoas mostram maior suscetibilidade a infecções na garganta ao respirar ar frio e seco, juntamente com a natural tendência em reunir-mos em grupo, em condições quentes e próximas.
Ainda assim, e sem certezas absolutas, seria notável se o covid-19 realmente se comportasse de maneira diferente de qualquer outro coronavírus ou quase todos os outros vírus respiratórios comuns que são conhecidos da ciência.
Se estes dados se confirmarem, é bem possível que a epidemia venha assumir um padrão mais brando em África. Pelo menos nos próximos meses, abrindo uma janela temporal para que os governos invistam na prevenção junto das populações
Idosos são, de longe, mais afectados
Outro motivo que pode e deve dar alguma esperança aos africanos tem que ver com a média de idades muito baixa, em praticamente todos os 54 países do continente.
De forma geral, a maioria das vítimas pela covid-19 tinha mais de 60 anos e a taxa de mortalidade é, de facto mais alta acima dos 80 anos.
Os dados publicados diariamente na Alemanha mostram a idade de uma amostra dos infectados, por isso é possível saber que a sua idade média é de 47 anos e que somente 20% tem mais de 60 anos
Na Alemanha, por exemplo, esse até tem sido um dos factores fundamentais para uma alta taxa de transmissão (o país já leva perto de 20 mil contágios) mas uma baixíssima taxa de mortalidade —contabiliza 68 mortos, e uma taxa de mortalidade de 0,36% muito inferior às dos seus vizinhos europeus tem levantado algumas questões sobre o que de bom estariam os alemães a fazer.
Os doentes de covid-19 mais idosos são casos com maior risco. A pirâmide da população de cada país também pode influenciar. A Itália é o país europeu com maior número de habitantes com mais de 65 anos (26%).Os dados publicados diariamente na Alemanha mostram a idade de uma amostra dos infectados, por isso é possível saber que a sua idade média é de 47 anos e que somente 20% tem mais de 60 anos. São números semelhantes aos da Coreia do Sul (que também já recupera do surto inicial do princípio do ano) mas muito diferentes dos da Itália, em que a idade média dos infectados —detectados— é de 66 anos e em que 58% tem mais de 60 anos, sendo que a idade média das vítimas mortais anda acima dos 75 anos de idade.