Em finais da década de 1980, com os novos contornos da globalização, muitos países em vias de desenvolvimento foram palco de transformações estruturais, nos domínios político, económico e social, que ditaram a expansão do modelo de economia de mercado, a crescente relevância das PME e a necessidade de encetar esforços para articular políticas públicas voltadas para esse espectro empresarial.
Assistiu-se a um intenso movimento de criação de pequenos negócios, em grande parte por famílias cujos trabalhadores haviam perdido os seus empregos em decorrência da implementação de Programas de Ajustamento Estrutural (PAE) sob o ditame das instituições gémeas de “Bretton Woods” (FMI e Banco Mundial).
Existem, ao nível mundial, vários critérios utilizados para a definição de PME, como os baseados no número de empregados, no capital social, na receita bruta, na receita operacional líquida, no grau de sofisticação tecnológica, dentre outros, considerados de forma isolada ou em conjunto. Só tendo em conta o critério relacionado com o número de trabalhadores, verifica-se uma enorme diferenciação, como atesta o facto de nos EUA serem classificadas como tendo 500 funcionários ou menos, na UE até 250 trabalhadores, Taiwan até 250, Coreia do Sul e Japão até 300 trabalhadores.
As empresas de pequena dimensão possuem três grandes contribuições para a economia: A criação de novos postos de trabalho, gerando renda e favorecendo o combate à pobreza; são fonte de inovação e adicionam uma maior flexibilidade à estrutura produtiva promovendo dinamismo na economia
Para o caso moçambicano, a micro empresa é aquela que tem até quatro trabalhadores e um volume de negócios até 1,2 milhões de meticais, a pequena empresa entre cinco e 49 trabalhadores e um volume de negócios até 14,7 milhões e a média empresa entre 50 e 100 trabalhadores e um volume de negócios até 29,9 milhões. As PME predominam na paisagem económica do país, representando 98,7% do total das empresas, e contribuem com cerca de 28% para o PIB e cerca de 42% para o emprego formal (MIC et al, 2016) .
As empresas de pequena dimensão possuem três grandes contribuições para a economia: A criação de novos postos de trabalho, gerando consequentemente renda e favorecendo o combate à pobreza; são fonte de inovação, o que contribui para o desenvolvimento do talento empreendedor; e adicionam uma maior flexibilidade à estrutura produtiva e promovem um grande dinamismo na economia (World Bank, 2003).
Palermo (2002) aponta também as seguintes vantagens das PME no desenvolvimento económico: (a) a sua capacidade de absorção de significativos contingentes de mão-de-obra, a baixo custo, com menores exigências em termos de qualificações, sendo inclusive uma importante escola de formação para a grande empresa; (b) a considerável participação na geração do PNB e, consequentemente, na estabilidade da economia; (c) a sua contribuição na solução dos desequilíbrios regionais no processo de fortalecimento do interior, dada a sua flexibilidade em termos de localização; e (d) a acção complementar à grande empresa em sectores incompatíveis para a escala da mesma.
No Brasil, as PME representam cerca de 43% da renda total dos sectores industrial, comércio e serviços, 30% do PIB, e são responsáveis pelo emprego de cerca de 60% da força de trabalho, 42% da massa salarial e por apenas 2% das exportações.
A forma como as políticas públicas são estruturadas para impactar no desenvolvimento das PME podem fazer toda a diferença na criação de empregos, no PIB, nas receitas e nas exportações. No Brasil, as PME representam cerca de 43% da renda total dos sectores industrial, comércio e serviços, 30% do PIB, e são responsáveis pelo emprego de cerca de 60% da força de trabalho, 42% da massa salarial e por apenas 2% das exportações. Na China, as PME contribuem com 60% para o PIB, 50% das receitas fiscais, 60% das exportações e empregam 75% dos trabalhadores urbanos (Campos, 2014).
No caso dos países da Áfríca subsaariana, as PME têm uma estrutura mais enxuta em relação ao número de funcionários e espaço físico, sendo que a sua administração é, muitas vezes, familiar. Muitas delas não se organizam de forma adequada e ostentam pouco conhecimento prévio do negócio, algo expresso em taxas de extinção superiores a 35% ao longo dos primeiros dois anos de existência.
Autores como Schumpeter (1997), Martinelli & Joyal (2004), Valá (2012) e Botelho (2014) reconhecem existir uma correlação entre o desenvolvimento local, o empreendedorismo, a inovação e o potenciamento das PME. Nessa esteira, é importante tomar em conta que os desafios do mundo globalizado requerem das empresas ajustes permanentes para assegurar a sua sobrevivência e crescimento e, num mercado dinâmico e competitivo, a inovação é um imperativo para melhorar a gestão e a administração do negócio e assegurar a sua lucratividade.
O contexto em que essas empresas operam mina o seu crescimento e desenvolvimento, sendo paradoxal que muitas PME emergem anualmente, mas também são muitos os registos de falências de empresas desse porte. Isso confirma a tese de que não basta existirem boas ideias e empreendedores motivados persistentes. As PME precisam de capacitação, financiamento, tempo para crescer e adequado acompanhamento, para tirar as boas ideias do papel transformando-as em produtos e serviços demandados pelo mercado.
Há uma multiplicidade de factores que entravam o desenvolvimento das PME: (i) deficiente gestão da empresa; (ii) elevada carga tributária, excesso de obrigações e burocracia pesada para licenciamentos; (iii) baixa qualidade da força de trabalho; (iv) deficiências logísticas; (v) falta de capilaridade e de informação; (vi) deficiência de planeamento e análise da lucratividade do negócio (estudo de viabilidade, pesquisa de mercado, plano de negócio, etc); (vii) corrupção; (viii) difícil acesso ao financiamento e mecanismos de crédito não calibrados para as PME; (ix) exiguidade de infra-estruturas e fraqueza dos serviços de apoio ao desenvolvimento de negócios; e (x) fraqueza nas ligações entre as PME e os projectos de grande dimensão (conteúdo local). Criar uma economia voltada para dentro vai implicar uma nova geração de reformas para incorporar no circuito produtivo a energia, a criatividade e o talento que as Micro e PME representam.
Não podemos perder de vista que muitas PME actuam na informalidade, representando um autêntico “viveiro de empreendedores e alfobre de futuros empresários”. Se a inovação é reconhecidamente uma força propulsora do crescimento económico, temos de questionar porque é que países como os EUA, Coreia do Sul, Alemanha, Finlândia, Suécia, Japão, Singapura, Áustria, Dinamarca e França estão entre os mais inovadores do mundo e, em contrapartida, o Sudão, Níger, Yémen, Laos, Burundi, Togo, Angola, Costa do Marfim, Paquistão e Síria estão na lista dos menos inovadores.
Afinal onde reside a diferença, porque existe e não pode ser eliminada? Moçambique pode aprender com as lições de países que adoptaram uma abordagem integrada de promoção do desenvolvimento local, empreendedorismo, inovação e PME.
Para criar um novo dinamismo económico, gerar mais empregos e renda, precisamos de apoiar não apenas as grandes empresas de hoje, mas também as emergentes que serão grandes amanhã
É fundamental ter instrumentos de intervenção concretos de apoio às PME, nos distintos domínios, assegurar que as políticas públicas possam adequar-se à realidade dos pequenos negócios, estabelecer incentivos para atrair o sector informal a formalizar-se, reduzir ainda mais a burocracia relacionada com a formalização de negócios, aumentar o acesso a assistência técnica de qualidade e a linhas de crédito específicas para as PME, melhorar a qualidade da formação técnico-profissional, promover a transferência de tecnologia dos centros de investigação para o mercado e induzir as PME a usarem outras alternativas de financiamento, como o mercado de capitais, fundos de capital de risco, entre outras.
Não tenhamos ilusões: a concepção de Joseph Schumpeter (1997) de associar empreendedores, inovação e desenvolvimento económico, por via da “destruição criativa”, está no ADN das PME que certamente estarão na vanguarda da transformação económica de Moçambique.
São elas que terão o papel determinante na mudança de paradigma produtivo e da narrativa de desenvolvimento económico do país, porque promovem a mão-de-obra intensiva, e não apenas os projectos de grande dimensão baseados no capital intensivo.Para criar um novo dinamismo económico, gerar mais empregos e renda, precisamos de apoiar não apenas as grandes empresas de hoje, mas também as emergentes que serão grandes amanhã. Para o efeito, é vital estabelecer pujantes mecanismos de apoio multiforme às PME lideradas por jovens e mulheres que apostem em TIC, adoptem boas práticas de gestão e governança e estejam orientadas para explorar o potencial económico ainda dormente em Moçambique.